Acordo sedento de água.
Minha cabeça doía terrivelmente. Me mover era como se todos os ossos do meu corpo tivessem quebrados, mas percebo que é apenas a dor corporal.
Assim que avisto uma tigela de água perto da porta de metal, corro até ela e engulo cada gota d’água. Era um paraíso molhar a garganta, naquele momento não existia sensação melhor do que essa.
Sento no chão e encosto as costas na parede fria.
Estou em uma cela feita de rocha. Minha cama está desarrumada por eu ter saído dela há pouco tempo. Minhas mãos e pés estão acorrentados: não sinto a carne debaixo do metal que me aperta.
Fecho meus olhos apertados e sufoco gritos de agonia. Meu corpo queima internamente como se eu tivesse ingerido litros de pimenta. Eu sentia prestes a queimar. Já não havia mais cortes na minha pele e nenhum sangue me banhando.
Fleches de memória me tomam os pensamentos.
Vejo-me atacando alguns seres e os mordendo. Houve gritaria de varias pessoas correndo para longe de mim assustadas. Meu corpo nesses fleches de memória estava sendo abraçado por sombras. Algumas cenas são de mim socando Vicente e C.S. Não sei ao certo, mas joguei Devi contra uma parede e Davi agoniou-se pelo irmão. Ayla também estava lá batalhando comigo.
— Está melhor?
A voz suave de Beatriz soou no ar.
— O que aconteceu? — Não dou o trabalho de erguer o olhar para a pequena janela da porta de metal que me dá frestas de luz.
— Você perdeu o controle — disse ela. — Esteve fora de si por um tempo. Seus Espectros e o fúria conseguiram te prender até que conseguissem prender as sombras novamente.
— Não lembro de muita coisa — admiti. — Porra, que dor dos infernos.
Encolho o corpo.
— Desculpe, só consegui curar seus cortes. — Beatriz abaixou o tom, lamentando. — Foram necessárias várias doses das substâncias de Maria para enfraquecer as sombras.
— Maria não me deu mais substâncias, como conseguiram várias doses?
O som de cadeados sendo destrancados ocasionaram perturbação na minha audição. Tampei meus ouvidos até quando o rangido da porta se abrindo parou. Esperei ver Beatriz com seu olhar tranquilizador e doçura de presença. Queria agradecê-la por me curar mais uma vez.
Mas quem entrou na cela foi uma mulher baixinha de semblante envelhecido. O cabo do seu leque era visto no meio de seus grandes seios.
— O que faz aqui, Maria? — pergunto-lhe, cansado.
Não tinha forças de gritar ou fazer muitos movimentos.
— Seus novos amigos me procuraram para trazê-lo de volta. — Se aproximou de mim e xingou ao sentir minha pele quente. — Meu veneno ainda percorre em suas veias em alta quantidade.
— Eu... — Começo a me desesperar com meus pensamentos. — Eu vou ir para o poço?
Beatriz me curou, e agora Maria está aqui. Sempre depois de cada sessão de cura, ela vem. Meu pai me prendeu aqui e espera eu voltar a ter consciência para me fazer sofrer de novo. E de novo. De novo. Repetidamente sem parar.
Maria sentou na cama que eu estava. Pegou minha cabeça e delicadamente a colocou em seu colo. Eu não me incomodava de estar sentado no chão frio de pedra, o tanto que Maria continuasse alisar meus cabelos e me abanar com seu leque para que a ardência da minha pele ganhasse vento.
Eu lembro quando eu era criança e começou a me envenenar para ocultar as Sombras. Chorei uma noite inteira por minha pele arder. Maria naquela noite assoprou meu rosto até mesmo quando lhe faltou ar, mas nas noites que vieram seguintes, ela começou a trazer um leque para me abanar, desde então ela sempre andou com ele para todos os lugares.
Eu não sabia antes, mas agora, depois de tudo, talvez eu saiba que esse leque era levado para todo lugar para mostrar que se eu aparecer a qualquer hora machucado precisando dela, ela o teria para me abanar e aliviar minha dor.
Posso estar errado. Minha mente pode estar me sabotando, mas nunca pensei que realmente quisesse que meus pensamentos fossem reais.
Não quero estar sozinho. Não posso ter estado sozinho esse tempo todo. Eu não teria suportado. Eu teria Maria durante esses anos no inferno. Eu teria Beatriz.
— Estamos no F.U.N.D.O, não no C.E.N.T.R.O — tentou me tranquilizar. — Beatriz convenceu a todos que você e seus Espectros encontraram pistas dos rebeldes e foram atrás deles no Ex.Te.R.N.O. Theodoro acha que está em missão, ele não faz ideia que está aqui.
— Ele vai descobrir — afirmo, escondendo mais meu rosto em sua cintura.
Lágrimas saem dos meus olhos e molham o vestido de Maria, mas o choro é um misto: a ardência do meu corpo subiu para meus olhos e fizeram encher d’água. Uso essa desculpa mental para deixar derramar mais lágrimas, mas essas são de sofrimento de estar completamente perdido.
— Ei, ei, ei, olha pra mim. — Ergueu meu queixo delicadamente. — Tinha tudo para Theodoro descobrir que está agindo contra ele, mas seus aliados não deixaram. Precisa confiar neles.
— Beatriz que convenceu a todos que estou em missão, não os outros — digo, amargurado. — Os demais me odeiam. Vicente sofre quando olha pra mim.
Maria enxuga minhas lágrimas com seus dedos.
— Nunca vi um syton lutar como vi Vicente todo machucado indo até o fim para te trazer de volta. — Suspirou ao colocar minha cabeça deitada novamente em seu colo. — Os gêmeos que me procuraram pela cidade inteira para vir aqui. Cheguei e Vicente estava completamente ferido. Beatriz o curava o suficiente para ele continuar a duelar com você, com o que havia tomado seu corpo. Ele não te olhava com ódio. Ele via algo bom cercado de sombras. Eu vi naquele homem que ele sacrificaria o mundo para te ter de volta.
— Ele me odeia, Maria.
— Não sei como está a relação entre os dois, mas o que sei, e tenho a pura certeza disso, é que Vicente não te odeia.
Suspiro cansado.
— Eu já não sei mais — minha voz sumia. Minha pele estava amenizando com o ventilar da xag e o sono me preenche o corpo.
— O que não sabe mais?
— Eu já não sei mais quem eu sou.
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Supremo Syton
FantasiHenrique tinha apenas 10 anos quando sua casa foi tomada e obrigado a ser o que ele nunca quis ser. Tornou-se o homem mais perigoso e temido pelos seus inimigos. Destinado a torturas e obediência ao seu pai, o Magnata, um sádico que o tortura se fi...