A traição

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Ainda de olhos fechados, sinto-me enjoado e tonto.
      Meu corpo pesa e meu sangue ferve. O frio que eu tinha dissipou-se em um calor febril que deixa meu corpo encharcado de suor.
      Abrir meus olhos nunca fora tão difícil. Minha pupila queima e eu fecho novamente os olhos apertados. Quero vomitar, mas meu estômago está vazio, o que também me faz querer comer algo. 
      Abro devagar meus olhos, mesmo com a dor. Tudo está embaçado. 
      Tento me mover, mas não consigo. Tento novamente. Sem sucesso.
      O que está acontecendo?
      Demoro ali até que minha visão ganhe formas e sentidos.
      Estou amarrado em uma cadeira de laboratório. No lado esquerdo do meu braço, um tubo suga meu sangue. No outro lado, um líquido verde é inserido na minha veia. Reconheço o que seja: o veneno de Maria.
      Estão me drogando.
      Um choque de pânico me consome.
      Estão prendendo as Sombras.
      Tento várias vezes me soltar, mas as amarras de couro estão fortes em mim. Meu desespero só aumenta a cada segundo. Minhas lembranças são porradas em mim.
      — Vicente! — grito seu nome. — C.S! — Estou ficando sem ar. — Beatriz! — Minha mente vira o pior lugar para ser estar nesse momento com tantos pensamentos aterrorizantes que vem neles. — Maria!
      — Sabe, depois de tudo que você fez, nenhum momento passou pela minha cabeça em te matar — a voz de Theodoro ecoa na sala escura com apenas um lampejo de luz clareando acima da minha cabeça.
      Não. Não. Não. Não.
      — Por favor... — minha voz falha. Meu pesadelo nunca terá fim. — Onde eles estão?
      — Estão onde merecem estar. — Theodoro se mostrou para mim. Estava com roupas limpas e os cortes fechados, mas seu olhar ainda é uma ferida aberta do que aconteceu na arena. — E você está com o pai.
      — Por que não me mata de uma vez por todas? — pergunto-lhe. — Já me castigou muito, de todas formas possíveis. Ainda se diverte em me ver sangrar?
      — Acha que me divirto quando tenho que te machucar? — questionou ele. — Toda vez que eu te chicoteava naquela praça maldita, eu me chicoteava no meu quarto por ter machucado o meu filho. Toda vez que me traia, você me torturava. Quando parou de ir contra mim, foi a melhor época. Quando descobri que, depois de anos, estava tramando contra mim, não acreditei.
      — Você me odeia — revelo, os olhos cheios de lágrimas e a garganta entalada de dor. — Me odiou desde que me viu pela primeira vez.
      Theodoro ajeita uma mecha do meu cabelo como um pai preocupado com o filho.
      — Eu te amei desde que descobri que eu tinha um filhote — revelou ele, e por incrível que pareça, eu via verdade. — Odiei Samantha por ter escondido um filho de um pai. Um macho que abandona sua criança não é digno de fazer parte de um bando, muito mesmo de ser líder dela.
      — O que nunca entendi, foi como se envolveu com minha mãe — admito.
      Samantha e Theodoro são o oposto. Nunca teve amor envolvido nisso tudo.
      — Meu primeiro amor e único na vida foi uma syton. — Theodoro riu como se revelar tal coisa fosse uma piada, mas é a sua verdade.
      — Não está falando de Samantha.
      Ele nega.
      — Amei Lys como nunca amei outro alguém na vida. — Theodoro abaixou a cabeça, como se recordasse do seu amor do passado. — Ela queria paz entre nossas nações. Aceitei ela em minha casa no Ex.Te.R.N.O, porque ela também me fez acreditar que o C.E.N.T.R.O poderia ser meu lar, como do meu povo. Iríamos construir algo incrível juntos. Depois, aceitei Samantha em meus domínios a pedido de Lys, para nos conhecermos.
      — Lys nunca te amou — digo porque sei que dói nele ouvir essa verdade.
      — Não, nunca amou — admitiu ele. — Nunca amou porque eu quis dá tudo a uma mulher que sozinha conseguiria conquistar o que quisesse, sendo que ela apenas precisava de alguém do lado, não acima ou abaixo dela. Do lado. Quando soube que ela havia me negado por um cozinheiro, me senti humilhado. Samantha também queria dá tudo a mulher que ela amava, Gabriela, e essa também não precisava de nada que não pudesse conquistar sozinha. Eu e Samantha éramos dois seres poderosos apaixonados por pessoas que nunca tiveram admiração ou medo de quem éramos de verdade. Então, firmamos paz entre nós dois em apenas uma noite, onde desabafamos e bebemos até altas horas da noite. Sabíamos bem o que estávamos fazendo, e mesmo assim, transamos até o dia amanhecer.
      — Suponho que o resultado dessa noite veio nove meses depois. — Sorrio em sarcasmo. — Não é mesmo, pai?
      — Primeiro, chegou aos meus ouvidos que Lys estava grávida de Fábio. Desfiz todos os meus tratados com o C.E.N.T.R.O por não suportar viver no mesmo ambiente onde uma criança da minha amada não seria meu filho. — Suspirou. — Vê Vicente é como ter certeza que Lys fez um belo trabalho. Sua prole é bela e de áurea poderosa. Mas nada se comparou quando eu descobri que tinha um filhote. Eu vim por você, filho. Tudo que fiz foi por você. Cada morte.
      — Você é louco.
      — Como se sente, Cruel, sabendo que sua cidade tão amada foi invadida por sua causa?
      — Para!
      — Eu havia aceitado a derrota de tudo, mas não aceitei que Samantha ficasse com você.
      — Para, porra! — Ouvi que minha existência foi causa disso tudo é muita pressão para carregar.
      — Você foi minha inspiração.
      Rio da cara de Theodoro.
      — Não — nego. — Você invadiu o C.E.N.T.R.O porque Lys te negou. Não aceitou viver desolado enquanto sua amada fodia com outro cara e dava todo o seu amor para seu bebê.
      — Não ria, Cruel — pediu ele. — Porque quanto mais poder temos, mas nossos destinados devem ser mais independentes de nós. E pelo o seu perfil, reze para nunca encontrar o amor, porque ficará tão perdido quando querer dá tudo a alguém que não precisa de você, então suas escolhas serão estúpidas, suas ações serão impulsivas. Quando não conseguir a conquistar, então não se importará em destruir o que ela mais ama apenas para estar em seus pensamentos dia após dia, seja para te amar ou para tentar te odiar.
      — Mentiroso — o acuso. — Mentiroso!
      — É verdade, Cruel — afirmou uma voz suave e fria, um tom tão doce que poderia ser uma contadora de histórias para crianças.
      Tão meiga. Tão doce. Tão inofensiva.
      Eu calo-me por inteiro, não só em palavras, mas como em pensamentos e movimentos.
      Beatriz, em perfeito estado, mostrou-se a mim, se colocando ao lado de Theodoro e lhe agarrando a mão. Seu olhar para mim era de pena, repulsa e ódio. Mas para Theodoro, ela dava a ele toda a sua bondade.
      — Fazemos coisas inexplicáveis por amor — continuou ela. — Até mesmo enganar o filho do seu amado.
       Um teste.
       Durante todo esse tempo, tudo foi mais um teste para provar minha lealdade.
       Onde está o grito preso em mim? Ele sumiu. Tudo sumiu. As coisas estão tão silenciosas que meu respirar causa-me dores de cabeça.
      — Diga algo, Cruel — pediu Theodoro. — Não fique prendendo o desespero. Mostre-me a sua agonia e implore por perdão.
      Fecho meus olhos e começo minha rebeldia.
      — Vicente — digo seu nome baixinho e sem esforços. — C.S. — Respiro com calma. — Davidson. — Continua, eu consigo. — Devidson. — Mais um. — Ayla.
      Eu vou repetindo os nomes sem parar. Eles são minha fortaleza. 
      Theodoro trincou os dentes.

Supremo SytonOnde histórias criam vida. Descubra agora