Uma xícara de chá

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Sinto o poder circulando em minhas veias.
      O C.E.N.T.R.O todo me caça como cães farejadores. O Magnata sabe que eu o quero morto, e não irei recuar até vê-lo ter seu último suspiro de vida.
      Há dois cinco desde que fui resgatado, Theodoro espalhou pela cidade que ele me espera no antigo laboratório de pesquisas. Meus aliados informaram que o Magnata desde que entrou lá, não saiu mais.
      O pai espera pelo filho.
      O filho vai de encontro ao pai.
      Enquanto ando calmamente até o portão de entrada do laboratório, recuo o questionamento de Ayla sobre eu ser burro e idiota, que seria melhor ela me matar primeiro antes que eu passe vergonha me suicidando.
     Os seguranças ao me verem apontam as armas na minha direção. Não ergo minhas mãos. Não vim para me render.
      — Fui convidado pelo Magnata — digo, erguendo um panfleto sobre seu pronunciamento em me esperar aqui. — Levem-me até o meu pai.
      Os soldados não foram educados ao virem em minha direção. O primeiro que tentou tocar em mim, morreu com uma bala no meio da testa, o que assustou os demais que ergueram as armas e apontaram a metade para mim e a outra para o horizonte, tentando encontrar o atirador.
      Reforço novamente para eles entenderem:
      — Eu vim como convidado, não como prisioneiro.
      Nada fizeram até ouvirem a ordem de seu comandante.
      — O garoto está certo — disse Sandro. — Ele é o nosso convidado.
      Passo pelos guardas e vou de encontro ao furtruck com rosto tenebroso. Evitei anos fazer isso, mas hoje faço questão de olhar a espada de Lys embainhada na cintura dele e dizer com palavras certas o que sempre quis dizer:
      — Você tem algo que não te pertence.
      — Venha comigo, garoto — disse ele, frio e calculista, não se importando com o meu dizer.
      Eu o seguia com postura de um soldado.
      Descemos pelo elevador até a sala dos cientistas com a prisão dos pais de Ayla. Não contei a ela que veio daqui ou que seus pais verdadeiros são cães de guarda, e se tudo sair como planejo, destruo esse lugar até o último concreto sem que ela tenha que vê tal coisa.
      Assim que as portas do elevador se abrem, vejo meu pai de costas para mim e vidrado para o vidro que o reflete, já que o outro lado do vidro não há luz acesa.
      — Geralmente sou eu que vou atrás de você — disse meu pai sem nem ao menos olhar para trás. Vi seus olhos de animal pelo reflexo do vidro. — Mas você que veio até mim.
      — Você me convidou — digo friamente. — E como um bom filho, atendo o chamado do pai.
      Theodoro se vira.
      Já esteve em dias melhores. Agora vejo olheiras e os cabelos menos arrumados como costuma estar. As roupas chiques mudaram para roupas de couro, um uniforme de elite de um soldado.
      Theodoro sabe o que criou. Sabe que seu filho é um assassino e que veio o matar. Ele sabe que vim para lutar, e o principal, sabe que ele é meu oponente.
      O criador tem medo da própria criação.
     — Aceita uma xícara de chá? — Ele apontou para uma pequena mesa com duas xícaras e um bule.
      Contenho a vontade de chorar ou gritar. São as porcelanas de Maria. A mesa de chá é a de jardim no alto de sua estufa da fábrica. Ele entrou lá e trouxe para esse lugar tenebroso.
      Por Maria, você não irá fraquejar, motivou as Sombras.
      — Depois de você. — Ajo de forma educada.
      Theodoro sabe mexer com a cabeça de alguém.
      Assim que ele se acomodou, sento-me em seguida.
      — Poderia ter fugido — observou ele. — Invés disso, está aqui. E do fundo do meu coração, que seja apenas para me matar.
      — Se eu te disser que vim por outra coisa também.
      — Então eu falhei com você.
      Encaro seus olhos selvagens.
      — Nunca pensei que ficaria feliz em ser a decepção da família — brinco, mas havia orgulho na minha fala. — Vim pelos meus amigos.
      Theodoro apertou o punho sobre a mesa e trincou o maxilar. Dei a ele a resposta que já esperava, mas não queria acreditar.
      — Aqueles rebeldes não são seus amigos — reforçou ele. — São criaturas imundas que te fizeram acreditar que existia um lugar entre eles. E veja o que aconteceu. Agora são meus prisioneiros e não possuem nem as imundices do F.U.N.D.O como casa.
      — Tem razão — concordei com ele. — Eles não são meus amigos. São minha família. E eu os quero de volta.
      Theodoro bateu os punhos sobre a mesa, estremecendo as porcelanas em cima.
      — Eu sou sua família, porra! — gritou ele enfurecido. — Eu te criei para me obedecer.
      Ainda na mesma posição, o esnobo:
      — E nem pra me criar certo você soube fazer.
      Theodoro começa uma risada fraca até se transformar em uma gargalhada. Ele está achando tudo tão absurdo que chega a ser engraçado para si. Não consegue acreditar no que vê.
      — Está se achando o todo poderoso — debochou ele. — Mas está aqui sem nada e sem ninguém. O que tem a me oferecer pelos seus amigos? Ops... Família.
      Não vacilei ao responder:
      — Eu.
      Estou disposto a passar meus últimos dias servindo ao Magnata se isso o fazer soltar os outros. Até minhas Sombras estavam disposta a isso. Decidimos juntos: nossa ruína.
      Meu pai se esgueirou pela mesa, fitando-me intensamente.
      — Você não vale mais nada para mim, Henrique — foi ávido ao responder. — Quero que vá se foder. Você e os filhos da puta dos seus rebeldes.
       Theodoro apontou para o vidro, onde uma forte luz ligou. Onde deveria estar o Núcleo, estava C.S, os gêmeos e Vicente presos ao alto com correntes. As criaturas tentavam pular para agarrar suas presas, agora estão mais famintas e perversas.
      Theodoro soltou os monstros.
      Levanto apressado pelo susto. Estão pendurados pertos demais dos sanguinários.
      — Sente-se novamente na porra da cadeira antes que eu autorize que cortem as correntes e faça você vê os sanguinários comerem seus amigos — Theodoro soou perverso.
      Vou matá-lo sem piedade, urrou as Sombras.
      Sento-me novamente com o coração palpitando.
      — Me peça para destruir o mundo, que queimo até a última espécie — digo tentando esconder a dor nas palavras. — Mas garanta cidadania dos meus amigos no C.E.N.T.R.O.
      Theodoro sorri se lado, deixando a proposta no ar.
      Pegou o bule com fumaça pobre, o cheio me deixando enjoado. Despejou o líquido quente na minha xícara.
      Estremeço de ódio.
      Sangue verde apodrecido escaldante é colocado na minha xícara. Maria estava sendo servida como chá da tarde.
      — Eu quero a sua sanguinária em troca dos seus amigos — disse Theodoro delicadamente.
      Pisco para me tirar do foco da xícara.
      — O que disse?
      Estou tão estupefato que mal ouvi o que ele quis dizer.
      — Eu quero Ayla — afirmou sem devaneio. — Eu sei que está com ela. Eu sei que foi ela que te tirou do poço. Eu quero ela.
      Minhas Sombras despertaram só de ter o pensamento de Ayla com Theodoro.
      — Você já tem dois sanguinários — digo. — O que quer com Ayla? Ela não é do tipo que obedece.
      — Sanguinários fazem juramento de sangue, e esses nunca poderão serem quebrados — informou ele. — Uma vez feito, não importa se te odeiam, obedecem até o dia da morte. O difícil é fazê-lo fazer o juramento. Mas nunca vi uma sanguinária tão lucida. Se ela vê os amigos, será que não faria um juramento de sangue comigo para tê-los vivos? E uma vez com o juramento dela, acha mesmo que preciso que você destrua o mundo? Ayla fará isso por mim.
      — Ela não é uma arma — esbravejo.
      Theodoro riu.
      — Sanguinários sempre foram armas, criança estúpida — disse Theodoro. — Samantha nunca te disse como antigamente os sytons ganharam a guerra contra os furtrucks. Os malditos sytons usavam os sanguinários como armas contra nós. O C.E.N.T.R.O nunca pertenceu aos de asas. Era nosso! Vocês são os invasores. Eu só tomei de volta o que foi tirado do meu povo.
      Nego com a cabeça.
      — Esse lugar nunca te pertenceu — digo.
     Theodoro mais vez ri e, dessa vez, concorda.
     — De certa forma, não pertence mesmo. Nem aos sytons, nem aos xag, nem a nenhuma espécie. — Ele respira cansado. — Dizem que na época antes de existir o F.O.S.S.O, os lá de baixo habitavam as terras aqui em cima, já que conseguiam viver com a radiação. Nós éramos aqueles que viviam lá embaixo. Quando descobrimos que a terra era hábito para plantações, uma guerra fora iniciada. Advinha quem lutou contra quem e por qual terra.
      Eu não queria acreditar.
      — A guerra Sanguinária — afirmo. — Essas terras eram dos sanguinários, nunca fora nosso. Eles lutaram pela casa deles.
      Theodoro assentiu.
      — Todos nós no final somos monstros — concluiu Theodoro. — O tempo faz com que a história seja contada de outra forma. Minha conquista é recente, por isso me veem como um monstro, mas daqui há anos quando minha espécie prosperar, vão aprender na escola como o Magnata conquistou sua casa novamente. Nessa história não existe os mocinhos. Todos são vilões.
      Minha cabeça doía, e tudo que conseguia pensar era que Theodoro quer Ayla e Maria fora servida para mim como um chá.
      — O ódio primitivo que todas as espécies possuem dos Sanguinários é devido ao Supremo Sanguinário fazer juramento de sangue tão profundamente de ódio que criou essências primitivas em todos — concluiu Theodoro. — Essa espécie precisa ser estudada. Imagina controlar um Supremo Sanguinário? O poder que teria em mãos.
      Um calafrio me fez arrepiar.
      — Ayla é a Suprema Sanguinária?
      — Não sei — admitiu ele. — O Supremo Sanguinário fora morto e preso seu poder no Núcleo. Se Ayla for combatível com o Supremo, ao tocar na caixa ela terá os poderes dele. Senão, o Núcleo a destruirá por inteira.
      Tudo faz sentido agora.
      Se o Núcleo é a coisa mais poderosa que tem devido aos poderes do Supremo Sanguinário estar aprisionado nele, quem o obter será praticamente indestrutível. Tendo Ayla com um juramento de sangue, e ela sendo combatível ao Núcleo, ela será a arma mais poderosa do mundo.
      Destrua a caixa, berrou as Sombras.
      Samantha tentou ter essa arma para ela. Quando os sanguinários ficam escassos e abri o F.O.S.S.O não era uma opção, fez com que eles se cruzassem. As mutações era para deixá-los mais fortes para suportar o poder.
      Somos combatíveis com o sangue de Ayla devido aos pais dela ter juramento de sangue com Samantha, observou as Sombras. Como somos filhos e temos sangue Supremo, o juramento não veio para nós, mas esse poder se refletiu em nós. Por isso nos curamos com o sangue dela.
      — Seus amigos por ela — reforçou Theodoro. — Traga a sanguinária até mim.
      Meu sangue fervia.
      É uma decisão a se tomar. Theodoro cumpriria a parte dele de soltar meus amigos. Seríamos caçados e Ayla viria para cá, podendo morrer por talvez não ser combatível com o Núcleo.
      Muita coisa está em jogo, e eu só conseguia pensar em Ayla lá fora esperando um sinal para começar a matar. Me enojava pensar nela no poço, sendo torturada dia após dia.
      Usada.
      Odiava essa palavra. Minhas Pressinhas não pode ser usada por ninguém.
      Ao meu redor havia vários soldados nos cantos. Sandro posto na porta do elevador vidrado em mim, pronto a proteger seu líder e me matar em um piscar de olhos. Eu estava cercado.
      Não há saída.
      Respiro e suspiro.
      Pego a xícara de chá com o sangue da xag. Ferve não por estar quente. Ferve devido ao ácido do sangue de Maria. Seu sangue de Suprema é poderoso até com ela morta. A xícara não é do terraço, reparei assim que meus dedos tocaram o objeto. Theodoro pintou uma porcelana antiácido iguais de Maria para que eu me perdesse nos pensamentos.
      Dou a resposta que Theodoro não esperava. 
      — Ayla é minha família — respondo com orgulho. — E você, querendo ou não, é meu pai.
      Theodoro surpreende-se.
      — Pensei que no seu mundo onde é o que deseja ser eu não fosse seu pai — confessou.
      — Você não sabe nada sobre mim — falo friamente, as sombras já agitadas no meu interior.
      Theodoro cruzou as pernas e fitou-me intensamente.
      Então, pela última vez saiu a pergunta de sua boca:
      — Quem é você?
      E eu respondi sem medo, nojo ou angústia, pois eu sabia exatamente quem eu era:
      — Meu nome é Henrique Fêllyp Cruel, filho de quatro mães e do Magnata Theodoro. Sou o Supremo Syton legítimo, futuro Magnata dos furtrucks após sua morte. Estou aqui para tomar o que é meu por direito.
      Theodoro trincou os dentes.
      — Nada te pertence! — urrou ele.
      — Está errado, pai — suavizo minha voz. — Tudo é meu. Por direito ou não, tomarei de você.
     Theodoro levanta-se enfurecido sibilando:
      — Seu merdinh...
      Taco o líquido ácido da xícara na cara de Theodoro que começa agonizar com a carne desgrudando da cara. Pego o bule de ácido e jogo na direção de Sandro assim que o senti perto de mim.
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      — Bem-vindos a ascensão do Supremo, seus merdas.
      Meus aliados disfarçados de soldados de Theodoro tiram as máscaras e começam a matar os verdadeiros soldados furtrucks que estão na sala.
      Ali, minha verdadeira luta havia começado.



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