Cap 10 | Não se apaga

433 30 21
                                    

Jason

Não é muito segredo que eu passo mais tempo nas áreas abertas da faculdade do que dentro dela. Toda e qualquer desculpa serve para eu encontrar alguma árvore no imenso parque da cidade universitária e me sentar debaixo dela. Almoçar, descansar, preparar aulas ou até corrigir provas, como estou agora, uma prancheta no colo para apoiar o papel e um pilha de outros pendentes ao meu lado, o estojo em cima para impedir que o vento leve as respostas dos meus alunos. O outono deixa ainda melhor, as cores laranja, amarelo e marrom, e todos os tons entre esses, cobrindo o campus como um aconchegante cobertor.

De vez em quando um ou outro aluno passa por mim e me reconhece, acena um oi ou me pede pra jogar de volta alguma bola que caiu perto de mim. Eles estão acostumados em me encontrar assim. Se eu trabalho em um lugar tão agradável, por que não fazer proveito disso? Conseguir ver a luz do Sol, sentir a brisa fresca que em muito supera o gelado do ar-condicionado que insistiram em instalar na minha sala, ouvir risadas jovens e farfalhar de folhas. Não quero soar pitoresco, mas acho muito relaxante. De alguma forma, é o momento em que mais consigo ficar sem pensar em nada. O que não adiantou de muita coisa aquele dia, no final das contas.

Levanto os olhos de uma questão sobre análise de projetos públicos quando ouço passos próximos demais. Vários passos soaram desde que sentei aqui, mas raramente me dou o trabalho de olhar, pois em sua maioria são apressados, atrasados para aulas ou ansiosos para concluir o dia e ir embora. Mas esses são calmos, pés que passeiam, pés que tocam as folhas acobreadas sem pressa. Meus olhos localizam os pés e a dona dos pés e logo os cabelos da dona dos pés e por fim, o rosto fino adornado pelos cabelos escuros e lisos.
Gostaria de dizer que pensei em muitas coisas naquela hora. Gostaria de dizer que me achei patético por reconhecer o perfume que permaneceu o mesmo após todos aqueles anos. Ou dizer que fui tomado de surpresa e estranhamento por ela estar ali, na faculdade onde eu trabalho. Dizer que parei pra pensar que com certeza haviam folhas grudadas no meu casaco. Mas principalmente gostaria de dizer que debati por um momento se eu deveria falar com ela ou só deixar passar. Afinal, o que eu tinha pra dizer?

Mas a verdade é que eu só pensei em tudo isso um segundo depois que o nome dela escapou da minha boca, como se empurrado por mãos invisíveis dentro de mim.

- Piper?

Ela reconhece minha voz antes de me ver. Sei disso pela maneira com que ela olha para mim, já esperando ver meu rosto. Percebo que ainda estou no chão, em meio a folhas, papéis, canetas e metade de um pacote de salgadinhos. Ando até ela, ainda sem saber o que vou dizer ou por que chamei seu nome em voz alta. Ela parece tão perdida quanto um poliglota que não sabe que idioma selecionar em seu cérebro para se direcionar a alguém. De repente ela abre um sorriso, constrangido e sem graça, mas genuíno.

- Jason. - Diferente do seu nome na minha boca, que escapou quase contra minha vontade, o meu nome nos lábios dela parece um sopro de uma respiração que havia prendido. - Que surpresa te ver.

A frase desnecessária soa entre nós. É óbvio que está surpresa em me ver, mas esse é o tipo de frase que as pessoas dizem pra ganhar tempo e pra ter o que falar. Sorrio em resposta.

- Sim! Não imaginei te encontrar aqui no meu trabalho.

-Trabalha aqui? - ela olha em nosso entorno, como se esperando que uma plaquinha com meu nome fosse aparecer em uma porta mágica, bem ali no meio do parque. - Com o que?

- Sou professor de Ciências Sociais. Bom, de algumas matérias do curso de Ciências Sociais, - me corrijo. - Já faz uns quatro anos.

- Que incrível, Jason! Parabéns!

Agradeço, observando o sorriso dela ficar mais genuíno e relaxado agora, embora os dedos ainda se remexam nervosamente. Ela está tão ela mesma que é quase doloroso. Não deveria ser, depois de tanto tempo, mas é. Acho que seria mais fácil se seu estilo tivesse mudado, ela tivesse adotado outra cor de cabelo ou perfume, ou ainda que seu rosto mostrasse marcas de expressão de envelhecimento ou de pequenas nuances de personalidade, como acontece com o passar do tempo. Mas ela ainda parece tão Piper, tão ansiosa e ativa, tão espirituosa e divertida, tão bem-humorada e impaciente, que dói.

Take it Lightly | au Percabeth Onde histórias criam vida. Descubra agora