Cap 37 | Inclusive hoje

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Will

Isso não podia estar acontecendo.

Isso não pode estar acontecendo, penso de novo, enquanto o rugido do motor que inutilmente soa sem nos tirar do lugar me confirma que sim, está acontecendo.
Estou tirando forças do Sol e da Lua pra evitar tamborilar os dedos nervosamente. Droga, pra evitar me tremer inteiro. Organizei tudo tão bonitinho, planejei cada segundo do dia de hoje. Como o universo ousa não obedecer todos meus comandos e desejos? Como ele ousa não seguir meu checklist e roteiro?

Porém, apesar dos meus divertidamentes estarem correndo de um lado para o outro e se jogando no chão, tenho que manter um sorriso tranquilo no rosto. Nico está ao meu lado, no banco do carona, e os deuses proíbam que ele perceba que há algo de errado no dia de hoje. Se bem que, a essa altura, é quase impossível não perceber. Tudo que podia dar errado hoje, deu.
Pra começar, já perdemos as apresentações das bandas locais no píer de St. Monica. Isso porque nos atrasamos pra sair de casa por não encontrarmos a chave do carro em lugar algum. Ela havia simplesmente se desfeito no ar e voltado ao pó do universo do qual todos viemos. Ou então… Nico e eu nos desesperamos ao mesmo tempo, pois ao mesmo tempo a possibilidade de Mac, aquele serzinho de luz que amamos, mas que, infelizmente, não é muito racional, ter comido a chave do carro nos ocorreu. O chaveiro, sem a chave, encontrado mordido e babado em sua caminha. Corremos como loucos em um táxi até o veterinário, apenas para o raio-x nos mostrar que não havia nenhum objeto lá. Só encontramos a dita cuja uma hora depois, já de volta ao apartamento, enterrada no único vaso de planta que tenho. Pobre Gertrude, não sei se vai resistir a essa e talvez acabe entrando pra lista de plantas assassinadas acidentalmente por mim. Pelo menos dessa vez foi o meu cachorro.

Isso nos fez entrar no carro mais de duas horas depois do planejado. Sem shows, sem píer. Mas pelo menos ainda tínhamos as reservas para o restaurante de comida coreana que ele ama, certo?

Errado.

A maior tempestade já registrada na história do estado da Califórnia escolheu agorinha para acontecer. Tenho certeza que amanhã é isso que os jornais estarão dizendo. Ou talvez minha ansiedade esteja me deixando mais dramático do que o normal. Queria tanto que hoje fosse perfeito. Por que eu não podia ser mais como meus pais? Relaxado. Uma estante podia cair na cabeça deles que iriam rir e dizer que aquilo era só um sinal que o ambiente precisava ser redecorado. Mas não eu. Eu estou com vontade de bater minha cabeça no volante. Nico e eu estamos no meio de uma estradinha meio deserta numa colina, com uma chuva tão forte que a sensação ao olhar em volta é de estarmos no centro de uma nuvem cinza, sem nenhuma visão além de um palmo, em um carro que se recusa a andar.

Ah, e caso eu tenha esquecido de mencionar, há um pacotinho com dois anéis de namoro no bolso interno da minha jaqueta. Acho que esse é um detalhe importante que explica minha ansiedade de hoje. Tudo isso que planejei na última semana é por esse motivo. Ter esse momento especial e romântico com Nico. Mas agora, estamos presos sei lá onde e talvez, um grande e horripilante talvez, tenhamos tempo de chegar na pousada para dormir em um lugar seco.

– Will? – Seu tom me indica que não é a primeira vez que me chama. Um sorriso divertido me diz que acha graça na minha exasperação. – Vou lá fora dar uma olhada no motor, está bem?

Ele mal termina a frase e já está abrindo a porta do carro, capuz cobrindo os cabelos secos que logo deixariam de estar. Congelo por apenas um segundo. Ah não, com certeza não. Eu não o trouxe aqui para ter um momento lindo apenas para ele se encharcar na chuva lamacenta. Abro a porta e o sigo.

– Por que não ficou lá dentro? – Ele levanta o olhar do motor, o capô só metade levantado para evitar mais chuva. Como eu previra, o capuz não faz muito para manter seu cabelo seco, e mechas da franja já estão coladas em sua testa. Até seus cílios parecem mais pesados com as lágrimas de chuva.

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