Cap 31 | Se permitir

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Percy

Ainda consigo ver a luz do Sol, mesmo com os olhos fechados. Estou sentado na areia, as costas apoiadas na prancha fincada no chão. Sinto as gotas de mar escorrendo do meu cabelo e corpo lentamente irem secando com o calor do Sol fraco do começo da manhã. Tento me concentrar apenas nessa sensação, não pensar em nada. Era um pouco do propósito do surfe essa manhã, não era? Até foi bom Marina dizer que queria dormir mais hoje e recusar me acompanhar. Entre trabalhar, ter filhos e ser adulto no geral, sobra pouco tempo pra ficar sozinho com pensamentos. Então normalmente você só tem que se virar pra fazer as coisas do dia-a-dia com a bagunça no fundo da mente. Os meus se esforçavam pra ser particularmente caóticos. Mas confesso que eles estavam se mantendo bastante monotemáticos recentemente, sempre em torno de uma mesma loira divertida e cautelosa.

Talvez o Sol das quase sete horas não esteja tão fraco assim, porque sinto quando vai embora, a ausência repentina do calor na pele e da luz que atravessa as pálpebras fechadas. Abro os olhos, em busca de uma nuvem o encobrindo, mas vejo Annabeth em pé à minha frente, com a luz do Sol a emoldurar seus contornos.

Ela está corada, como se tivesse corrido, e carrega os chinelos na mão. Sua expressão é difícil de identificar, como sempre, mas me parece uma mistura curiosa entre decidida e perdida, como se soubesse onde quer chegar, mas não como chegar lá.

– Oi.

Sua voz me tira do transe e percebo que só estive parado a encarando como a uma imagem divina. Rapidamente me levanto, limpando as mãos de areia na bermuda, o que não ajuda muito.

– Oi, Anna. É, oi. – Consigo ver seu sorriso melhor agora, de perto, sem o Sol fazendo-a parecer um raio de luz conjurado. – Você está caminhando por aqui?

Algo em seus olhos muda, algum clique de algo que ela parece entender e eu não.

– Na verdade, não. Estava procurando você. – Tenho certeza que minha expressão confusa dispensa qualquer “por que” que eu possa dizer em voz alta. – É engraçado como a gente fica pensando e pensando sobre uma coisa, mas quando decide falar, percebe que não organizou o que estava pensando pra poder falar pra alguém. E aí você toma a decisão de falar e pensa “já tenho tudo na cabeça” porque tem mesmo, nossa como tem coisa na cabeça. Só que na hora…

– Anna, – a interrompo, o mais delicadamente que posso. – Não estou te acompanhando. Você veio até aqui porque quer me dizer alguma coisa?

Seus olhos cinzas, que estiveram passeando pela praia inteira enquanto falava, se fixam nos meus. Ela suspira.

– Sim, eu vim. Vim pra dizer que eu estava me esforçando tanto pra manter a vida leve, sem complicações, que não percebi que era eu quem estava complicando tudo. Vim pra dizer que eu estava errada em ter tanto medo de perder o controle. Que está tudo bem eu me sentir assim, e me jogar e me permitir. E, principalmente, vim pra dizer que eu quero me permitir, se você quiser. – Sempre me perguntei se era verdade o que diziam sobre momentos assim, se o tempo parava e os arredores sumiam. Não é verdade. Pelo menos não pra mim. Ainda vejo o mar atrás dela, o Sol dourando seus cabelos, sinto a água ainda escorrendo pelas minhas costas e peito, a areia por todo lugar. Vejo tudo como se intensificado por um milhão. Exceto os sons. Tudo ao meu redor é silêncio exceto pela voz de Annabeth. – E vim admitir que estou, sim, com medo, mas que perto de você ele quase some. Antes eu achava que isso queria dizer que eu não pensava direito com você, mas é justamente o contrário. Eu penso melhor, sinto melhor, vivo melhor. – Uma lágrima solitária desce pela bochecha e é isso que me devolve a capacidade de me mover. Estico a mão para secá-la com o polegar e Annabeth fecha os olhos, descansando o rosto na minha palma como já fez outras vezes. – Não há nenhuma parte de mim que queira ficar longe de você, Percy. E não sei o que vai ser daqui pra frente, nem que promessas fazer, mas queria que nós, talvez, pudéssemos…
Seguro seu rosto entre minhas duas mãos agora e ela se cala. Me aproximo mais da mulher que não tem noção da metade da luz que é.

Take it Lightly | au Percabeth Onde histórias criam vida. Descubra agora