Os dias de Walkiria passavam mesclando uma imensidão de sentimentos nem sempre compatíveis. Mergulhou no trabalho e na tarefa árdua que era salvar o hotel e no meio disso tudo, sentia-se perdendo a luta que era entender-se e seguir uma vida com mais equilíbrio. Para ela, o mais importante era salvar o hotel, seu trabalho, o sonho de uma vida. Mas, numa imersão forçada em profundezas que não estava habituada a atingir, percebeu que, não estando em paz, dificilmente teria sucesso na missão de salvar o hotel.
Trabalhava horas a fio, mas sem o foco necessário em encontrar soluções para aumentar as receitas. Horas dedicadas a colmatar erros, resolver problemas do dia a dia, mal conversava com Greta. Sentia-se mais um robô do que uma mulher capaz de pensar e solucionar questões.
Seus melhores momentos eram passados na corrida diária e junto ao seu saco de boxe. O boxe aliviava a tensão que muitas vezes quase lhe atrofiava o corpo e na corrida tinha seus raros momentos de pensar com clareza.
Naquela manhã, suas inquietações pesaram sobre a relação com Dália. Já iam no terceiro término, sempre em rompantes quase infantis. Da primeira vez, pareceu-lhe normal, afinal, não se conheciam tão bem. A segunda, que foi ela a terminar e também a pedir que reatassem, pareceu-lhe tão sem sentido, mas, pesando prós e contras, decidira que era melhor ficar onde estava. Tinha verdadeira preguiça de começar relações. Tinha-se que investir muito tempo, fazer concessões, uma flexibilidade que ela não tinha. Era preferível ficar com alguém que já conhecia a aventurar-se numa nova história. Podia ouvir a voz de Carla no seu ouvido acusando-a de comodismo doentio. Talvez fosse isso mesmo. A realidade é que não tinha o mesmo afã para as relações como tinha para o trabalho.
Então de onde vinha aquela inquietude? Sem entender muito bem o que lhe confundia a cabeça, tinha a sensação que precisava de mais alguma coisa. Precisava de uma companheira mais presente, que se importasse um pouco com o seu trabalho. Essa pessoa não era Dália, sabia-o desde sempre. Dália não se importava a fundo do seu próprio trabalho, que dirá das preocupações dos outros. Se tudo estivesse bem, nem se importava com o descaso ou a irresponsabilidade dela. Mas, não estava. Precisava de alguém para conversar, dividir suas inquietações.
Chutou muito o saco de boxe, pulou corda até lhe faltar ar. Corpo cansado, mente desligada.
*****
—Olá, posso entrar? -Greta deixou apenas a cabeça aparente na porta do escritório que dividia com Walkiria.
—Claro! Desde quando precisas de autorização para entrar no teu escritório.
—Desde que a senhora mora aqui há três ou quatro dias e mais parece um zombie e mal dirige uma palavra aos mortais.
Riram.
—Exagerada! – Alongou os braços e o pescoço. Sentia-se esgotada.
—Eu já sei que alguma coisa aconteceu e como sei também que quando assim é, minha sócia e amiga, precisa de algum tempo para processar os fatos...
—Senta aí, preciso conversar.
—Aconteceu mais alguma coisa com as contas do hotel? Acho que saberia, mas como tens estado mais em contato com a gerente...- Greta tentava adivinhar.
—Não foi nada com o hotel. Permanece tudo igual, ou seja, estamos com a corda no pescoço. – Disse desanimada.
—Então?
—Dália no auge do seu destempero, terminou comigo mais uma vez...- Bufou.
—Ah, mas isso passa. Vocês parecem casal de adolescentes...
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Nas brumas do Pico
RomanceAproximando-se dos 30 anos, Walkiria vive uma vida que pode ser considerada de sonho para muita gente. Vive numa ilha paradisíaca, trabalha com o turismo que é a base da economia local e aparentemente não tem problemas. Tudo parece perfeito, menos p...