Capítulo 24

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Agosto chegou e com ele a pressa para resolver questões burocráticas, oficiais, antes que todos entrassem de férias e tudo ficasse obrigatoriamente em standby até setembro. Walkiria, que era a responsável por essa área na empresa, passou a semana inteira num vai vem diário entre Rui Vaz e Praia. E como se não bastasse a corrida às instituições, ainda teve um evento promovido pelas agências de viagens da ilha, que ela fez questão de participar. Vida corrida e cheia de atribulações, nada que ela não gostasse. Na realidade, agradeceu por esse frenesi todo, pois assim, pôde abstrair-se de pensamentos e desejos disparatados.

Nahima...claro que os pensamentos disparatados tinham a ver com ela. A mulher tinha o dom de bagunçar-lhe a vida. E ela que já se considerava livre daquele encantamento...

Não a vira nos últimos dias. Na realidade, nunca mais depois da sedução com o chocolate e dos beijos intensos. Sempre que lembrava, mordia a própria boca. As lembranças vinham com detalhes e uma ânsia doida...graças aos céus e à burocracia que tinha de se afastar do hotel....

Ela tinha permanecido no mesmo registo desde que voltara, discreta e ausente. Não se falaram mais, nem sobre trabalho, nem sobre nada. Mas era o ideal, ou não? Claro que sim! Se a loucura não fosse alimentada, ela se transformaria em outra coisa...

E quando o descontrole se apresentava de formas inusitadas? Para aplacar desejos insanos, Walkiria adotara o hábito de comer um pedaço de chocolate por dia. Rigorosamente. Ela que sempre prefira o salgado ao doce, que sempre fiscalizara o vício da mãe pelo açúcar...

Agia sem pensar e sentia prazer naquele ato tão corriqueiro. Mas, se colocasse as emoções em ordem, entenderia que o chocolate era a atenuante para não sair como uma doida atrás de um prazer ainda maior. Cada vez que lembrava do gosto da boca de Nahima com toques de chocolate, entrava em delírios explosivos.

Ainda bem que sua sócia, além de ser uma excelente relações-pública público, era também apaixonada pelo método de trabalho da italiana, e assim, não tinha que se preocupar com o desenrolar dos trabalhos. Vinha acompanhando o desenvolvimento nas páginas do hotel, e sim, Nahima sabia muito bem o que fazia.

*****

As paisagens do interior da ilha, serviam de embalo para os devaneios de Walkiria. À medida que o carro avançava pelo interior, ela ia se deleitando em pensamentos nem sempre conexos. A viagem mental ia da alegria de que não precisaria voltar à capital no dia seguinte por finalmente ter concluído sua árdua semana de compromissos burocráticos, ao deleite de cenas mais intensas e quentes que teimavam em não lhe sair da cabeça. Tentava desviar o pensamento, ou simplesmente não pensar em nada, mas era sempre vencida por nuances irresistíveis.

Precisava correr, o esgotamento físico sempre a desviava de pensamentos obsessivos. Era tanta contradição que beirava à loucura...

Nahima tinha entendido muito bem o seu posicionamento inicial. Fora excessivamente clara, não queria mais nada. Queria seguir com a sua vida como sempre fora, foco absoluto no trabalho, na sua realização profissional. Nada de romances, ou envolvimentos mais exigentes...clareza total. Nahima tinha entendido, e ela? Seu discurso não coadunava com seus desejos mais recônditos.

E seguia no delírio...paisagens e sonhos...lembranças e sorrisos...e o corpo ansiando por mais...lábios trémulos...viagem para dentro...mais...mais...mais...

—Walkiria...ei, Walkiria, chegamos.

O susto da realidade. Quase riu às gargalhadas, mas o pobre senhor Veiga não entenderia, ou pior, espalharia pela vila que ela tinha enlouquecido.

—Ah, Senhor Veiga, nem me dei conta que chegámos a Rui Vaz...

—Acho que passaste grande parte da viagem a dormir. Estás cansada? Não me admira nada, gerir esse hotel sozinha deve esgotar-te. Precisas de um marido para te auxiliar. Ah esses jovens de hoje em dia...

Nas brumas do PicoOnde histórias criam vida. Descubra agora