A vida no hotel entrou num frenesi, com a chegada de grupos novos e com demandas diferentes, o que levou Walkiria a embrenhar-se ainda mais no trabalho. Sempre fora seu suporte e alavanca para a vida, mas, apesar de toda a entrega, percebeu-se num emaranhado emocional com uma intensidade quase atrofiante. Trabalhava como uma louca, o que normalmente lhe anestesiava a mente e os problemas, e, no entanto, ao final do dia, o mundo sempre lhe caía em cima. Isso, quando não se sentia tentando se equilibrar numa corda bamba sobre o mar profundo e bravio. Precisava de ajuda. Precisava seriamente de ajuda e não se fez de rogada. Não adiantava mais resistir ou minimizar suas questões, mais cedo ou mais tarde, tudo explodiria na sua cara.
Não se reconhecia mais. Seus medos ainda eram os mesmos, mas os desejos, completamente diferentes. Sua vida em slow motion e com tudo definido, de repente parecia um carnaval de emoções. Não se entendia, não cabia em si, nada fazia sentido.
Nas primeiras sessões, que eram quase diárias, descobriu-se vivendo num plateau emocional, mas que na realidade era pura fantasia, um verdadeiro escamotear de emoções.
Á medida que avançava na tentativa de se alcançar, ficava ainda pior. A sensação era que estava soterrada sob várias camadas e que a cada tentativa de levantar os escombros, suas feridas ficavam em carne viva. Segundo a especialista que a atendia, seria intenso, mas a liberdade que chegaria no futuro, faria tudo valer a pena.
Não pensava no futuro, queria apenas ter um presente mais calmo. Quem a visse, quem prestasse atenção apenas no físico dela, diria que tudo estava bem. Até ela tinha acreditado nisso...ou talvez nem tanto, mas era comodo levar a vida como estava. Alguma coisa, que ainda não conseguira identificar, despertara muitas dores que dormiam profundamente e que de repente a tolhiam.
Os dias passavam, ela continuava a trabalhar, mas pouco interagia. À Greta, inventou a desculpa que estava com problemas familiares, aos funcionários não dizia muita coisa, até porque com eles não havia muita troca, nada além do estritamente necessário. De Dália nunca mais soube, ou melhor, ouviu dizer que tinha viajado. Nada novo, ela vivia mais no mar e nos ares do que em solo firme. Precisaria colocar um ponto final naquela história, mas não tinha pressa e nem iria atrás dela. Sua terapeuta não concordava muito com aquela resolução, mas ela não sentia qualquer motivação para encarar aquela sensação de atrofiamento que lhe caía em cima diante daquela mulher. Precisava trabalhar as emoções, mas cada coisa no seu ritmo.
"Precisas amar, assim vais entender o que é o amor, só assim terás a capacidade de identificá-lo vindo na tua direção."
Essa fora a frase de fecho da última sessão. Dita com uma voz doce, num tom meigo e com um sorriso apaziguador. O efeito? Exatamente o contrário. Como amar? O que era afinal amar alguém? No auge dos seus 35 anos, tinha alguma vez chegado perto disso? Precisava de muita análise...
Na sua busca por entender-se, tentou isolar o efeito de Nahima na sua vida. Na sua cabeça, era como se existisse um mundo confuso, onde todos os seus problemas coabitavam e se digladiavam, e outro mundo paralelo, onde existia Nahima e todas as suas cores...
Há medida que foi avançando na terapia, entendeu que existia apenas um mundo...
Nos dias mais turbulentos, não se encontrou com sua amiga cheia de cores e vida. Ela estivera no hotel por duas vezes, mas trabalhara apenas com Greta. Soube pela sócia que ela viajaria a trabalho por alguns dias. Era melhor assim...exatamente para quem, não sabia, mas era melhor assim...
*****
—Ei, finalmente consigo falar contigo.
—Ah, não me digas que estás com saudades, logo tu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Nas brumas do Pico
RomanceAproximando-se dos 30 anos, Walkiria vive uma vida que pode ser considerada de sonho para muita gente. Vive numa ilha paradisíaca, trabalha com o turismo que é a base da economia local e aparentemente não tem problemas. Tudo parece perfeito, menos p...