Nahima olhava para Walkiria na expectativa de uma resposta plausível para a sua atitude, mas ela permanecia indecifrável. A postura corporal era de tanto faz, mas o olhar era de quase súplica. Nem com muito esforço desvendaria aquele mistério. Mais um.
—Wiki, o que aconteceu? Não me diga que está tudo bem porque ninguém aqui é criança. Eu sei quando não estás bem...
—Sabes? – Arqueou a sobrancelha e mordeu o canto da boca. O nervosismo era nítido.
—Walkiria, eu não tenho muita paciência e nem tempo para jogos...acho que já ultrapassamos essa fase...
—Eu não faço jogos!
—Ok, então diga o que te abalou a ponto de saíres correndo da festa. O hotel está no mesmo lugar. – Ironizou usando o ponto fraco dela. Quem sabe assim haveria uma reação.
Walkiria soltou o ar demonstrando impaciência e dirigiu-se ao deck.
Sentada no chão de madeira, tinha a certeza de sua atitude infantil, mas ia dizer o quê? Primeiro não se recordava em situação semelhante e depois não sabia definir qual era o elo que mantinha com Nahima. O que as unia cabia o emaranhado de dúvidas e inseguranças que se amontoavam no seu peito? Nem sabia como ela vivia as relações. Elas tinham que tipo de relação? Deixar as pontas soltas tinha consequências, e sabia muito bem disso. Simplesmente deixara-se levar pelo fator tempo e esquecera de analisar quem era e o que era aceitável. Achava que o pouco tempo que tinha para viver aquela experiência não cabia espaço para muitas análises e discussões. Não as permitia nem internamente. Vivia, apenas. Mas o confronto chegara e de forma avassaladora. Não gostara de ver aquela mulher linda e rindo às gargalhadas no colo de Nahima. Sentiu-se inferior por não poder expressar-se de forma tão livre. Nunca fora assim, sempre tivera a natureza mais reservada, mas admirava quem era diferente. Aquela menina tão linda, rindo, feliz, livre e sentada no colo de Nahima. Que agonia. Pior ainda era o fato de não se sentir no direito de ter um rompante. Não que fosse de escândalos, longe disso, mas queria poder conversar com Nahima sobre o fato que a incomodara, mas nem para isso sentia-se preparada. Tinha medo do que ela poderia dizer. Tinha medo do seu castelo ruir. Desde quando se tornara medrosa? Era célebre a sua coragem e agora isso? Tomara que Nahima fosse embora e com muita raiva. Não, não era nada disso que queria, mas ao certo mesmo, não sabia de mais nada. Suspirou profundamente e encostou-se à parede deixando o olhar vagar pela imensidão verde à frente.
*****
Walkiria abriu os olhos devagar por ouvir o latido de Zuri. Dele, nem sinal, mas encontrou um par de olhos expectantes diante de si. Ela se sentara ao seu lado sem fazer qualquer barulho. Tinha certeza que estava sozinha, que ela simplesmente tinha ido embora diante do seu silêncio. Não, lá estava ela. Afinal, Nahima a surpreendia desde o primeiro encontro há anos atrás num bar na Palmeira na Ilha do Sal.
Colocou as mãos entre as pernas fletidas e ergueu os ombros como quem tenta ganhar espaço. A verdade era que se sentia confusa e ter aquele par de olhos em cima, não amenizava o desconforto.
—Não desvia o olhar. Diga-me o que está a acontecer. – Ela sabia ser incisiva.
—Nada...nada demais...- Respirou fundo.
—Eu não vou embora daqui até que tenhas coragem de dizer o que te aflige. – Nahima sabia ser cirúrgica. Colocava a tônica nos pontos cruciais. Walkiria era muito corajosa e não admitia outra opção.
—Não me pressiones...não gosto disso...- A voz soava débil. A verdade era que queria sim ser pressionada. Queria gritar o que lhe afligia. Queria ter mais coragem, a coragem na dose certa.
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Nas brumas do Pico
RomanceAproximando-se dos 30 anos, Walkiria vive uma vida que pode ser considerada de sonho para muita gente. Vive numa ilha paradisíaca, trabalha com o turismo que é a base da economia local e aparentemente não tem problemas. Tudo parece perfeito, menos p...