Um bip no celular, um simples bip e lembranças, que tentei enterrar, brotaram fincando suas raízes em meu peito e trazendo consigo a dor.
– Oi, querida – olhei desesperada para Bruce. Ele parecia tão incomodado quanto eu. – Não precisa brigar com o Bruce – a ardilosa Senhora Armstrong comentou com um sorriso cínico no canto dos lábios. – Uma amiga que trabalha na enfermaria do hospital me avisou que você estava aqui.
– Oi, Eve... – olhei para o garoto tímido ao seu lado, sufocado pela personalidade autoritária da mãe
– Oi, Daniel – respondi constrangida.
– O Bruce me contou o que aconteceu – Meu coração ficou aos pulos. – Não se preocupe, minha norinha, vocês ainda são jovens. Essas coisas acontecem, ainda poderão ter muitos filhos. – Meu estômago embrulhou.
– Mãe, por favor... – Bruce interveio. Ela o ignorou.
– Pedi para o Dani fazer uma pintura para você. Está inacabado mas eu fiz questão que ele trouxesse para que se animasse. – O garoto ficou indeciso e não se moveu, nas mãos um tubo que protegia a sua arte. Lucrécia tirou o objeto de suas mãos, sem nenhuma cerimônia o estendeu sobre o meu ventre, na cama.
Uma Eve, pintada em aquarela, de perfil, nos meus braços, uma criança, inacabada, sem rosto definido. Olhei para a mulher que sorria a minha frente e não contive as lágrimas.
– Isso é alguma piada? – perguntei num soluço.
– Desculpa... – foi Daniel quem respondeu.
– Vocês são cruéis – gemi tentando rasgar a tela. – Só uma pessoa sem sentimentos, um monstro poderia fazer uma coisa dessas – gritei jogando-a para o chão.
– Ficou louca? – minha sogra esbravejou. – Pensa que não sei que matou o meu neto? Por isso está sobre essa cama, o que aconteceu com você foi pouco! Devia ter definhado como fez com o pobre bebê na sua barriga.
– Mãe, pare! – Bruce a segurou antes que me agredisse fisicamente.
– Não a defenda! – sua ira foi direcionada ao Bruce.
– Foi um aborto espontâneo e mesmo que não fosse, Eve tem o direito de decidir sobre a sua vida.
– Você está defendendo a assassina do seu filho?
– Você é má – disse tentando respirar, sufocada pelas suas palavras. Um Bip soou dos aparelhos. – Saia daqui! – ainda gritei antes da enfermeira, que entrou às pressas no quarto, injetar algo em meu braço e tudo desaparecer.
Foi a última vez que vi Lucrécia Armstrong, quanto à Daniel, nos encontrávamos regularmente, somos amigos desde que ele era um menininho e eu a namoradinha do Bruce. Conversamos sobre arte, sobre garotas e garotos, sobre a vida e a liberdade de escolha, que ele ainda não experimentou. Quem sabe um dia?
Mordi a ponta do polegar enquanto lia o convite da Exposição de Dani Alighieri na agenda do meu celular. Eu não podia faltar àquela agenda, espero que Lucrécia não estrague tudo, pensei guardando o celular no bolso traseiro da calça jeans. Imaginei o encontro de Sarah e Dani, eles iriam se adorar. Ela era mais antenada que eu no mundo das Artes, conversariam por horas. Os dois mereciam esse encontro, pensei com um sorriso, enquanto examinava a arara de roupas. Algo colorido chamou a minha atenção e levou aquelas preocupações para longe.
– Mãe, o que acha desse? – perguntei mostrando um vestido verde com uma estampa de flores vermelhas.
– Eu não preciso de roupa nova, menina? Que invenção é essa?