– Você é muito cara-de-pau para aparecer aqui – a voz feminina soou estridente ao meu ouvido. Eu me virei, imaginando que ela havia me confundido com outra pessoa, mas pelo olhar de fúria que a mulher, de cabelos platinados e terno preto, me lançou, eu estava encrencada, muito encrencada. Se pelo menos eu soubesse quem ela era, seu rosto não era totalmente desconhecido, mas de onde eu a conhecia?
– A Senhora deve estar me confundindo com... – foi a única coisa que me ocorreu.
– Você é uma cínica – me interrompeu entredentes. – Depois de tudo que fez ao Bruce e as coisas horríveis que falou ao Daniel, ainda tem coragem de vir aqui debochar da nossa cara – Eu vou apanhar e nem sei porque, pensei, desesperada, procurando uma rota de fuga...
– Desculpa se eu fiz algo que a ofendi... –
– Desculpa? Você acha que uma desculpa é suficiente? – Ela segurou o meu braço, eu puxei com força. A taça com água que eu segurava na mão se espatifou no chão. Todos, na pequena galeria, olharam para onde estávamos.
– Mãe – a voz, que me fazia arrepiar, soou nas minhas costas. Fiquei lívida, aquela era a sogra da Eve, como eu não a reconheci? A única vez que nos encontramos foi em um aniversário, que resolvi comemorar com Eve, Bruce ainda era um reles mortal e a festa foi em um restaurante de preços populares, para que todos pudessem pagar. Ela era uma mulher com cabelos negros, como os do filho, vestimentas simples e olhar conciliador. Na época, me tratou com carinho. Foi a única pessoa que me deu atenção naquela noite, ela e Daniel. Meu Deus! O Daniel, o artista que estava expondo aquelas obras era o irmão do Bruce. Dany Alighieri. Como eu fui tola. Olhei para os quadros, inspirados na obra literária "A divina Comédia", olhei para o Bruce. Ele olhava para a mãe. Segurei o seu braço em busca de equilíbrio. Desejei um buraco para me esconder e ele se abriu sob meus pés e eu caí.
– Eve? – uma voz longínqua chamava pela minha irmã. Abri meus olhos, estava deitada sobre um sofá, alguém estava debruçado sobre mim, olhei para os olhos castanhos que me observavam e senti vontade de chorar. Meus olhos arderam, um nó na garganta. Era pra ser sete dias de diversão, sete dias longe da minha vida pacata e sem graça. E agora, eu daria tudo para não ter vivido aqueles dias, para apagá-los da minha vida. Para esquecê-lo, Bruce. – Como você está se sentindo? – perguntou, visivelmente, preocupado.
– O que aconteceu? – tentei sentar, mas uma tontura me impediu.
– Você desmaiou – disse me amparando.
– Eu não comi nada hoje, deve ter sido isso... – comentei me recompondo.
– Vamos resolver isso.
– Eu posso resolver sozinha, obrigada – respondi ficando em pé.
– Por que é tão teimosa? – ele questionou irritado.
Não respondi, dei as costas para sair daquele lugar. Havia dois assuntos que eu precisava resolver com urgência, o primeiro era comer e o segundo era ligar para a minha irmã. – Eu vou matá-la, Eve! – ameacei em meus pensamentos. Como ela pode me colocar naquela situação constrangedora? O que ela fez ao Daniel? Nas minhas lembranças, um rapaz educado, inteligente, sensível. Essa sensibilidade estava presente na exposição que mal pude admirar. Suas telas retratavam o poema de Dante em um mundo contemporâneo, O Inferno, O Purgatório e o Paraíso de uma sociedade decadente e desumana.
– Eve! – Bruce disse segurando o meu braço e me impedindo de sair pela porta. – Onde você pensa que vai?
– Comer – respondi incomodada.
– Eu vou com você – comentou me conduzindo para a saída de funcionários.
– Por que não vamos pela galeria?