Capítulo 21

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Dizer que Guilherme e Flávia estavam sofrendo, era eufemismo. Ela estava destruída e ele inconsolável. Com raiva, até. Raiva de Paula, por tê-lo metido nisso. Raiva de si próprio, por esconder uma coisa tão importante da esposa.

Flávia não conseguiu dormir por dois dias consecutivos, após a descoberta. Só conseguia falar com o pai, e todas as vezes que o nome de Guilherme e Paula saiam de sua boca, ela chorava. Até para cantar, sentia dificuldade. Sua voz ficava embargada facilmente, e ora ou outra, a letra da música fugia de sua memória. Ela ignorou todas as chamadas de Guilherme, não respondeu as mensagens. Seu corpo tremia a noite, com saudade do corpo e do calor do médico. Ela se agarrava fortemente na coberta, tentando encontrar nos tecidos de lã, a paz e segurança que sentia todas as noites, ao lado do esposo.

Guilherme havia se esquecido de duas cirurgias no terceiro dia sem ver a esposa. Ele mandou o cardápio da dieta de Flávia por Odailson, junto com as suas roupas, para o motorista entregar nas mãos de Juca. A cama parecia grande demais, então no quarto dia sem vê-la, ele decidiu pegar dois plantões na clínica. Usou de desculpa que Joana precisava de uma folga. Não é como se não tivesse funcionários suficientes e capacitados para substituí-la por 48 horas. Ele afundou no trabalho, e da tela pequena de seu celular, assistiu a tão esperada apresentação da Banda no Caldeirão do Huck. Uma semana sem vê-la. No domingo, ele foi entregar frutas, verduras e o pudim que Deusa mandou para ela. Mas foi Juca quem o recebeu, ela não queria vê-lo.

As noites haviam se tornado solitárias novamente. A casa dos Monteiro Bragança estava sem vida, silenciosa, o café da manhã era deprimente. Não era diferente na casa dos Santana. Até mesmo Flávia que sempre amou comer, estava sem apetite. Odete preparava as refeições de sua dieta á risca, todas no horário correto. Mas não era a mesma coisa. Faltava o toque especial na comida, que somente Deusa tinha. Flávia também não agradecia ou falava com a madrasta, magoada demais pelo que ela havia feito. Antônio sentia falta de Flávia às tardes. Eles geralmente assistiam a um ou dois episódios da sua série favorita, antes do menino ir para a pista de Skate. Ela também sentia falta do enteado, e esse sentimento se intensificou quando ela começou o primeiro episódio da terceira temporada de La Casa de Papel. Flávia desligou a TV quinze minutos depois.

Guilherme seguiu levando as frutas e legumes todo final de semana, pontualmente as sete da noite. Já fazia três semanas que ele deixava os alimentos com o sogro. Ele suspirou derrotado, enquanto se despedia do padeiro. "Ele já foi?" , Guilherme pôde ouvir Flávia perguntar ao pai, enquanto ele estava escorado na porta com olhos fechados. Ele preferia não ter ouvido. Naquela mesma noite, após um banho quente e longo demais, até mesmo para ele, Guilherme recebeu uma ligação.

" Meu amor. É você?- Sua voz era esperançosa.

" Meu amor? Tem certeza que estava esperando uma ligação minha mesmo, Gui? Sou eu, Rose. "

" Ah, é só você, Rose..."

Ele se esforçou para ouvir o que a modelo tinha para dizer, só então notando, que estava tão desligado, que nem ao menos leu o nome na chamada. Enquanto pegava seu pijama, se desfazendo do roupão, uma peça caiu no chão. Seus olhos brilharam de saudade quando ele se abaixou para pegar a meia arrastão branca, que Flávia usou na lua de mel. Ainda tinha seu cheiro. O seu lado no closet estava vazio, somente os tons pretos e neutros do médico ocupavam o local. Faltava cor. Ele se trocou, sentindo algo querendo romper a superfície.

Era quase uma da manhã, e ele não conseguia dormir. Levantando-se, ele foi até o criado mudo do outro lado da cama, do lado dela, e pegou o porta retrato do dia do seu casamento. Ela estava com ambos os braços enrolados no pescoço dele, enquanto suas mãos envolviam a cintura ela. Foi uma foto espontânea, ela estava gargalhando de algo que ele havia dito, sua cabeça jogada para trás, ele a acompanhava na risada, só que seus olhos estavam vidrados no rosto dela. Admirado demais, com ela. Então, Guilherme se permitiu chorar. Foi um choro duradouro e alto, e ele teve de lutar para respirar normalmente. O médico dormiu quatro horas depois.

Flagui: Love Of The GalaxyOnde histórias criam vida. Descubra agora