Delação

237 25 3
                                    

— A Biotecnologia existe há bastante tempo, mas nem sempre foi muito eficaz — diz Caleb. Ele começa a comer a casca da sua torrada. Comeu o miolo primeiro, como fazia quando éramos crianças.

Caleb está sentado na minha frente no refeitório, à mesa mais próxima da janela. Beatrice escuta o que ele diz com atenção, já eu estou muito mais interessada na comida e nas letras "D" e "T" na beirada da mesa, ligadas por um coração, tão pequenas que quase não as enxerguei. Passo os dedos sobre elas enquanto Caleb continua a falar.

— Mas há algum tempo os cientistas da Erudição desenvolveram uma solução mineral altamente eficaz. É melhor para as plantas do que terra — explica ele. — É uma versão mais antiga da pomada que eles usaram no seu ombro, Beatrice. Ela acelera o crescimento de células novas.

Seus olhos estão acesos com essas novas informações. Nem todos da Erudição têm a mesma sede de poder e falta de consciência que a sua líder, Jeanine Matthews. Alguns são como Caleb: pessoas fascinadas por tudo e que não sossegam enquanto não descobrem como as coisas ​funcionam.
Apoio o queixo sobre a mão e sorrio discretamente para ele. Parece estar animado hoje. Fico feliz que tenha encontrado algo que o distraia do seu sofrimento.

— Então, a Erudição e a Amizade trabalham juntas? — Beatrice pergunta.

— A Erudição é mais próxima da Amizade do que qualquer outra facção — diz ele. — Você não se lembra disso do nosso livro de História das Facções?
Segundo o livro, são as "facções essenciais". Sem elas, não conseguiríamos sobreviver. Alguns dos livros da Erudição se referem a elas como as "facções enriquecedoras". E uma das missões da Erudição como facção era se tornar as duas coisas: essencial e enriquecedora.

Não gosto de pesar na maneira como a nossa sociedade precisa da Erudição para funcionar. Mas as duas facções realmente são essenciais. Sem elas, a agricultura seria ineficiente, os tratamentos de saúde seriam insuficientes e não haveria qualquer avanço tecnológico.

— É uma droga admitirmos isso. — digo comendo uma torrada. — Me passa a geleia, por favor.

Caleb me passa o frasco vermelho e vejo Beatrice morder sua maçã.

— Você não vai comer a sua torrada? — pergunto.

— O pão está com um gosto estranho — responde. — Pode ficar, se quiser.

Pego sua torrada e mergulho na geleia, dou uma grande mordida depois.

— A maneira como eles vivem aqui me fascina — continua Caleb. — São completamente autossustentáveis. Contam com uma fonte de energia própria, bombas de água próprias e um sistema de filtragem próprio, sem falar nas fontes de alimento... Eles são independentes.

— Independentes — repete Beatrice — e neutros. Deve ser legal.

E, pelo que eu estou percebendo, realmente é. A grande janela ao lado da nossa mesa deixa entrar tanta luz que parece que estou sentada do lado de fora. Grupos de membros da Amizade sentam-se a outras mesas com roupas de cores vivas e pele bronzeada. Eu já estou enjoada de ver tanto amarelo.

— Então, acho que a Amizade não foi uma das facções para as quais você mostrou aptidão — comenta ele sor​rindo para Beatrice, me fazendo lembrar do meu próprio teste. Só quem sabe é Tori, não contei nem para Tobias.

— Não. — ela responde.

— Ei! — digo. — Tem muita gente aqui.

Um grupo de membros da Amizade a algumas cadeiras de distância começa a rir. Eles nem olharam em nossa direção desde que me sentei aqui para comer.

Insurreto (2- Insurgente) Onde histórias criam vida. Descubra agora