Sublevado

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Marcus fica parado ao lado das máquinas que filtram a água. Algumas têm canos transparentes. Dá para ver a água entrar, amarronzada, desaparecer dentro da máquina e sair limpa. Nós dois assistimos o processo de purificação, e eu me pergunto se ele está pensando a mesma coisa que eu. Como essa merda funciona?

Seria muito mais fácil  se a vida funcionasse assim, livrando-nos da nossa sujeira e nos devolvendo, limpos, para o mundo. Mas certas sujeiras parecem destinadas a durar.

Encaro a parte de trás da cabeça de Marcus, o segui até aqui com o intuito de descobrir o que ele esconde. Preciso fazer isso agora. Agora.

— Ouvi o que você disse outro dia.

Marcus vira a cabeça rapidamente.

— O que você está fazendo, Rebecca?

— Segui você. — Cruzo os braços. — Ouvi você falando com a Johanna sobre o que motivou Jeanine a atacar a Abnegação.

— A Audácia lhe ensinou a invadir a privacidade das pessoas assim, ou você aprendeu isso sozinha?

— A Audácia me ensinou a como tirar informações de pessoas que não querem falar. — digo casualmente. — Não mude de assunto.

— Você não pode me bater. Estamos na Amizade.

— Pois é, infelizmente. — dou risada. — Ainda temos mais um dia aqui, mas quando pisarmos fora daqui saiba que nada vai me impedir de fazer isso... Por isso que é melhor você me contar agora.

Marcus franze a testa, especialmente entre as sobrancelhas, e há marcas fortes nos lados de sua boca. Ele parece ser uma pessoa que passou a maior parte da vida franzindo a testa. Talvez tenha sido bonito quando era mais jovem, e pode até ainda ser para mulheres da sua idade, como Johanna, mas tudo o que vejo quando olho para ele são os olhos vazados e escuros da paisagem do medo de Tobias.

— Se você me ouviu conversando com Johanna, sabe que não revelei isso nem para ela. Então, o que a leva a acreditar que eu compartilharia essa informação com você?

Ele faz questão de me olhar dos pés a cabeça com um certo nojo.

— Meu pai. Meu pai está morto. — digo entredentes. É a primeira vez que falo desde que contei para Tobias. Não fui capaz de conversar sobre isso com meus irmãos e não sei se vou conseguir. Agora a palavra "morto", misturada aos sons da água mexendo e borbulhando na sala, me atinge como uma marreta no peito, e o monstro da tristeza acorda, cravando suas garras nos meus olhos e na minha garganta. — Talvez ele não tenha morrido pela informação a qual você se refere, mas quero saber se ele arriscou a vida por ela.

A boca de Marcus treme.

— Sim — diz ele. — Ele arriscou.

Aperto minha mandíbula.

— Bem — continuo, me controlando. — Então, que merda de informação era essa? Era algo que vocês estavam tentando proteger? Ou roubar? Ou o quê?

— Era... — Marcus balança a cabeça. — Não vou contar.

Caminho em sua direção.

— Mas você a quer de volta. E Jeanine está com ela.

Marcus realmente é um bom mentiroso. Ou, no mínimo, uma pessoa boa em esconder segredos. Ele não reage. Gostaria de poder enxergá-lo como Johanna o enxerga; como a Franqueza o enxerga. Gostaria de poder ler as suas expressões. Ele pode estar perto de revelar a verdade. Se eu o pressionar o suficiente, talvez ele ceda.

— Eu poderia ajudá-lo — digo.

O lábio superior de Marcus se contorce.

— Você não tem a menor ideia do quão ridículo é o que está falando. — Ele cospe as palavras contra mim. — Você pode ter conseguido desligar a simulação de ataque, garota, mas foi por pura sorte, e não por suas habilidades. Eu morreria de surpresa se você conseguisse fazer qualquer outra coisa de útil por um bom tempo.

Insurreto (2- Insurgente) Onde histórias criam vida. Descubra agora