Abdicação

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Descemos a calçada no escuro. Todos os outros devem estar jantando agora. Eu me certifiquei disso. Mas, caso encontremos alguém, estamos usando jaquetas pretas para esconder a maior parte das roupas da Amizade.

— Aonde vocês estão indo? — diz a voz de Peter. Olho para trás. Ele está parado na calçada, atrás de nós. Há quanto tempo será que está ali?

— Por que você não está jantando com seu grupo de ataque? — pergunto.

— Não tenho um grupo. — Ele toca o braço no qual atirei. — Estou ferido.

— Ah, é. Até parece! — diz Christina.

— Bem, não quero lutar ao lado de um bando sem-facção — explica ele, com os olhos verdes cintilando. — Por isso, vou ficar aqui.

— Como um covarde — diz Christina, com os lábios retorcidos de repulsa. —  Vai deixar que outras pessoas limpem a sujeira para você.

— Aham! — concorda ele, com certa alegria maliciosa. Ele bate palmas. — Divirtam-se morrendo.

Ele atravessa a rua assobiando e caminha na direção oposta.

— Bem, pelo menos o distraímos — diz Beatrice. — Ele não voltou a perguntar para onde estávamos indo.

— É. Que bom. — solto um pigarro —  Mas esse plano é meio idiota, não é?

— Claro que não.

— Claro que é. É idiotice confiar em Marcus. É idiotice tentar passar pelos soldados da Audácia na cerca. É idiotice ir contra a Audácia e os sem-facção. Tudo isso junto resulta... em um tipo de idiotice inédita na história da humanidade.

— Infelizmente, também é o melhor plano que temos agora. Se quisermos que todos saibam a verdade.

Contei para Beatrice tudo oque Marcus me disse e ela concordou que devíamos fazer isso, depois de uns minutos Christina estava ao seu lado tagarelando sobre querer entrar nessa também. Concordei, obviamente, sua facção de origem: a Franqueza, na qual a busca pela verdade é mais importante do que qualquer outra coisa. Ela pode ser da Audácia agora, mas, se há uma coisa que aprendi com tudo isso, é que nunca deixamos nossas antigas facções para trás.

Chegamos à sede da Abnegação. Adoraria entrar na sala de reuniões e respirar o perfume de madeira antiga, mas não temos tempo. Entramos no beco ao lado do prédio e caminhamos até os fundos, onde Marcus me disse que estaria esperando.
Uma caminhonete azul-clara nos espera lá, com o motor ligado. Marcus está ao volante. Deixo que Christina entre primeiro, para que ela se sente no meio, depois Beatrice. Se possível, prefiro não sentar ao lado dele. Sinto como se odiá-lo enquanto agimos juntos de alguma forma diminuísse minha traição a Tobias.

Eu estou traindo Tobias novamente, isso é errado. É errado.

Você não tem escolha, digo a mim mesma. Não há opção.

Com isso em mente, fecho a porta e procuro o cinto de segurança. Encontro apenas a ponta esfiapada de um cinto e uma fivela quebrada.

— Onde você encontrou esta lata velha? — pergunta Christina.

— Roubei-a dos sem-facção. Eles as consertam. Não foi fácil fazê-la pegar. É melhor se livrarem destas jaquetas, meninas.

Enrolo nossas jaquetas e jogo-as para fora da janela semiaberta. Marcus engata a marcha da caminhonete, e o motor range. Começo a duvidar de que sairemos do lugar quando ele pisar no acelerador, mas o automóvel fun​ciona.

Pelo que lembro, o trajeto de automóvel entre o setor da Abnegação e a sede da Amizade dura cerca de uma hora, e a viagem exige um motorista experiente. Marcus entra em uma das vias principais e pisa mais forte no acelerador. O automóvel dá um tranco para a frente, e quase passamos por cima de um enorme buraco no asfalto. Beatrice agarra o painel para se equilibrar.

Insurreto (2- Insurgente) Onde histórias criam vida. Descubra agora