- Ai, que merda! - Priscila bateu o caderno com tudo na mesa, largando os lápis. Lilian desviou seu olhar para ela, esperando uma explicação.- O que aconteceu? - Quando viu algumas lágrimas brotarem no canto de seus olhos, chegou mais perto da amiga, tirando os óculos de grau.
- Me desculpa, não é nada. - Fungou, secando os olhos – Estou nova! - Deu um sorrisinho sem graça, levando a mão até o lápis, mas Lilian foi mais rápida e o pegou, colocando atrás de si.
- Não, Pri! Me diz o que houve. - Tinha percebido o comportamento estranho da garota desde cedo, estava mais agressiva e apressada do que o normal.
- Lilian, por favor, vamos só... - Se inclinou para frente, tentando pegar o lápis novamente, praticamente se deitando por cima da amiga, que por sua vez jogou o item do outro lado da sala.
- Pri... - Segurou seu rosto, acariciando suas bochechas com o polegar – Eu fiz alguma coisa? - Priscila deu um sorriso e desviou o olhar.
- Não, não fez. - Se afastou.
- Então o que é?
- Só...coisas da escola, sabe como é. - Ao olhar para loira, percebeu que não estava nada satisfeita, então respirou fundo – Ah Lilian, haja teimosia! - Nada disse, se vendo sem saída, começou a falar – Tem uma garota na minha escola que me incomoda.
- E quem é essa garota? O que ela te fez? - Sua postura mudou totalmente, seus orbes pareciam ter ficado até mais escuros.
- O nome dela é Jade, ela tem uma turminha que ama me incomodar. - Passou a mão no rosto – Ficam me chamando de coisas que eu não gosto.
Lilian não tinha muito autocontrole, era impulsiva, era louca, era raivosa como o Cão! Então ela podia se sentir engolindo fogo agora, escutando aquilo.
- Tipo...? - Esperava uma continuação, precisava saber até o endereço dessas garotas e faria o que fosse preciso para acabar com a raça delas.
- Anoréxica, mas esse aí não tem muito o que comentar. - Deu de ombros, um pouco triste – Ah, eu briguei com a minha mãe hoje também. - Sua feição triste ganhou um quê de raiva, como se estivesse em seu limite nesse assunto.
- Mas sua mãe não é acamada? - Priscila riu nasalmente, concordando com a cabeça.
- Ela é um peso morto, isso sim. - Se chocou com as palavras rudes que saíram da boca da amiga, que até então sempre foi um anjo, raramente falando palavrões.
- Nossa...
- Se você soubesse o que ela fez comigo ia achar o mesmo. - Quando viu os olhinhos confusos e curiosos da loira, percebeu que teria que contar - Você realmente quer ouvir? - Assentiu, experimental – Ok, eu sou portuguesa.
- Oi? Mas você nem tem sotaque! - Franziu a testa, recebendo um sorrisinho em troca.
- Eu acabei perdendo bem rápido, na verdade. - Deu de ombros – Meu pai era um devedor, era um apostador, não pagou as dívidas e além de assassinarem ele, levaram tudo da minha família, e como eu não tenho tios nem avós, ficamos só eu e a minha mãe. - Ela falava disso com certa frieza, parecia não ter nada além de vazio ao falar do pai.
- Eu sinto muito... - Interrompeu, mas Pri a calou com um dedo nos lábios.
- Me deixa terminar, minha mãe não estava doente ainda, mas descobriu assim que chegou aqui, então eu trabalho muito desde criancinha, mas ela nunca me agradeceu ou me deu um tostão do que ganhava. - Abriu um sorriso amarelo, mas continuou – Eu sempre fiz de tudo em casa, era faxineira, cozinheira, responsável financeira, enfermeira, tudo! - Seu tom subiu um pouco, sentindo a voz embargar – Mas eu me cansei, só isso, então se ela quer gritar, vai ouvir grito de volta.
Lilian não disse nada, apenas abraçou forte a amiga, a aninhando em seus braços, podendo ouvir ofegos baixinhos e contidos. Afagou os cabelos de Priscila e não falou uma palavra sequer, só deixando o choque ser tomado por um ódio borbulhante.
- Foi ela que denunciou meu pai, ela o matou. - Sussurrou, Lilian não respondeu, apenas beijou o topo de sua cabeça - E agora eu ainda tenho que lidar com essas garotas na escola.
- Se depender de mim, elas nunca vão ver a luz do Sol de novo. - Ouviu a morena soltar um risinho e depois um fungada, as separando, podendo finalmente trocar olhares – Se depender de mim, Pri, você nunca mais vai sofrer na sua vida.
- Sofrer é mais do que inevitável. - Colocou uma das mechas do cabelo da loira para trás de sua orelha - É essencial, Lili.
- Lili? - Sorriu.
- Sim, Li é um apelido esquisito, você não gostou? - Sorriu de volta, tombando a cabeça para o lado. Pássaros enormes pareciam bater asas no estômago de Lilian, o coração estava apertado.
- Claro que gostei, é o melhor apelido que já me deram. - Priscila e Lilian estavam próximas, certas partes ainda se encostavam, apenas um movimento brusco e elas poderiam dar o tão almejado beijo, mas Pri percebeu isso e se afastou, nervosa.
Após se afastarem, mal conseguiam se olhar de tão envergonhadas. Lilian custava a entender o que essa garota tinha, o que a deixava quase divina?
- Então... - Pri foi a primeira a falar, ainda sem contato visual - Agora posso ter meu lápis de volta? - A loira riu, realmente entregando o item de volta.
O silêncio confortável de antes se reestabeleceu, mas Priscila ainda tinha algo entalado na garganta, algo que queria dizer há um tempo e nunca saía. Já fazia um mês e uns dias que via Lilian todos os dias e sempre perdia a coragem de perguntar.
- Lili? - Chamou, foi respondida com um “hm?” - Você pode me responder uma coisinha?
- Claro, manda aí. - Não tirou os olhos de seus estudos, anotações sobre modelos de passarela, movimentação, tipos de corpo, o que é antiquado ou não, peso ideal e mais.
- Eu vi em uma revista por aí que você disse que é bissexual. - A loira se engasgou com a própria saliva, arregalando os olhos.
- S-sim! E o que tem? - Tentou se acalmar e agir com naturalidade. Era a primeira vez que se importava sobre o que alguém ia achar sobre isso, afinal a garota que mais vem almejando é quem está perguntando.
- Ah, nada! Só curiosidade. - O silêncio voltou, mas apenas por alguns segundos – Seus pais não ligam não? A minha mãe falou que se eu fosse sapatão, me expulsava de casa.
- Acho que ela nem sabe, na verdade. - Mordiscava a ponta da caneta, deu de ombros.
- Ué, como não?
- Pri, pensa comigo. - Se olharam de novo, dessa vez sem nada em mente - Você vem aqui há um mês, não é? - A morena assentiu com a cabeça - E quantas vezes você viu minha mãe? - Ela só murmurou um “ah” - E meu “pai” eu nem levo em conta, nem sei o nome dele mesmo. - Fez aspas com o dedo.
- Você não liga? - Estranhou, Lilian era estranha. Surtava se não tinha sapato da cor da bolsa, mas nem se importa em não saber quem é o próprio pai.
- Nem um pouquinho. - Voltaram a ficar mudas, agora cada uma em seu mundinho, tentando ler e interpretar uma à outra.
Se sentiam mais próximas agora, mas também mais instigadas em se conhecerem, quebrando algumas primeiras impressões que tiveram, ou quase isso.
Lilian era sim uma patricinha de narizinho empinado, filhinha de mamãe que tem tudo quando bem entende, mas era uma garota muito engraçada, gentil e leal também. Pri era uma carrancuda muito racional igual sempre foi dito, porém era doce e muitíssimo inteligente.
Diga-se de passagem, são uma bela de uma dupla, o equilíbrio quase perfeito.
VOCÊ ESTÁ LENDO
COSMOS E CHAOS - Uma história sobre amor.
Teen Fiction!EM HIATO! +16 Cosmos, definição grega de perfeição, de que tudo está onde deveria estar, funcionando em seus eixos. Você nasce com um propósito, só então encontra seu lugar no Cosmos. Lilian, uma modelo teen na virada do milênio, achou seu lugar no...