CAPÍTULO XXXIX - CORTE NO PÉ

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Priscila cometeu um erro. Um grande erro.

Ela percebia porque viu o brilho no olhar de Ângelo renascer de repente, e sabia quem tinha o ressuscitado.

Ângelo estava amando novamente, e ela acabou perdendo todo mundo. Os dois ainda fingiam estar juntos de alguma forma, acreditavam que tinham algo de verdade, mas nunca tinha acontecido nada.

Theo foi o assassino e necromante de Ângelo.

Pri perdeu Ângelo, mas ela nunca o teve, mas perder Lilian foi definitivo e avassalador. Vê-la todos os dias, a todos os momentos, e pensar nela a todos os segundos estava acabando com seu coração.

Lilian sabia amar como uma princesa em seu conto de fadas, mas era melhor ainda quebrando e cuspindo corações.

Priscila assistia Ângelo se arrumar para sair, escolhendo os melhores acessórios enquanto sua "namorada" estava lendo em sua cama, apenas aconselhando o que deveria ou não usar para uma festa.

Ângelo passou um ano inteiro sem ir para uma festa universitária, mas Theo amava festas, claro que o levaria!

- Esses ou esses? - Mostrou dois pares de brincos para Pri, que apontou para o prateado - Você tem bom gosto.

- Sou obrigada a ter. - Riu, mesmo sem graça - Ângelo, estou me sentindo mal.

- Mal? O que aconteceu? - Perguntou, colocando os acessórios.

- É por Lilian. - Respondeu - Ela vem me ignorando desde quando chegou.

- Só por que somos um casal?- Franziu a sobrancelha, tanto por curiosidade quanto por amargura por dizer algo assim.

- É, acho que sim. - Disfarçou, porque sabia que era exatamente isso.

- Você deveria falar com ela, Pri. - Aconselhou - Você ao menos tentou fazer isso?

Pri se calou, porque não tentou falar com Lilian sequer uma vez, um misto de sentimentos a invadia toda vez que pensava em fazer isso. Vergonha, medo, ansiedade, raiva de si mesma.

Sabia que estava errada, e estava pronta para admitir isso, mas conhecia Lilian e ela não estava pronta para perdoar.

- É...

- Bem, eu vou saindo. - Se virou e beijou a cabeça da amiga - Se cuida e tenta falar com ela, Lilian é brava, mas não morde.

Pri saiu e assistiu Ângelo indo embora, até sumir de vista ao dobrar o corredor. Em breve faria dois anos que estava morando ali e ainda não tinha se acostumado com o tamanho da casa.

A casa onde morava com sua mãe era do tamanho do seu atual quarto, que já estava completamente com sua cara. Às vezes, queria que Rosa pudesse ver onde chegou.

Pri não era exatamente religiosa, mas acreditava em Deus e em sua presença, até se diria católica se isso significasse acreditar que seus entes queridos, ou quase isso, a assistiam lá de cima.

Saiu do quarto de Ângelo e passou a chave, como foi pedido há um tempo atrás. Enquanto andava pelo vasto corredor em passos arrastados, que mais se pareciam com lamentos, viu Lilian subindo as escadas.

Não disse nada, ela estava distante o suficiente para não falar. Mesmo se falasse, tudo que a responderia seria o eco que as paredes fazem.

Porém, ao ver que Lilian entrou em seu quarto e deixou uma fresta aberta, corajosamente caminhou até ela e custou a bater.

- O que é? - Depois de longas semanas, essas foram as primeiras palavras direcionadas para Priscila, só porque ela ficou longos segundos como uma esquisita.

- Posso entrar? - Perguntou. Lilian ponderou por alguns segundos, não sabendo como agir. Queria ouvi-la, mas não queria saber.

Não queria explicações, queria odia-la para sempre, ou pelo menos até não ama-la mais. Mas aquele rosto doce e preocupado a convenceu mais uma vez.

- Sim. - Se sentiu estúpida assim que concordou, então Priscila entrou com a mesma timidez da primeira vez que foi a sua casa - O que é? - Repetiu a pergunta.

Pri fechou os olhos e suspirou, buscando palavras.

- Por que você está me ignorando? - Perguntou, entrelaçando os dedos na frente de sua barriga. Ela sabia muito bem, mas não tinha ideia de como iniciar a conversa.

- Você realmente está me perguntando isso? - Arregalou os olhos, rindo com incredulidade. Pri baixou os olhos, sentindo as bochechas queimarem de vergonha e medo.

- Estou, eu quero saber. - Afirmou, de cabeça baixa e olhos bem fechados, se não visse Lilian talvez ela não estivesse ali.

- Você sabe muito bem. - Respondeu, também ficando vermelha, mas porque o ódio a consumia por inteira - Você não é burra, Priscila! - Aumentou o tom, mesmo sentindo sua voz tremer - Só é muito, muito, muito mau caráter.

- Eu sei. - Não mudou de posição ou de tom de voz, imaginando que talvez assim a raiva de Lilian não fosse tão intensa.

Com os olhos claros da loira, era possível ver suas pupilas crescendo, ocupando boa parte da íris.

- Você sabe o quanto eu sofri por você? - Sua cara se retorcia enquanto falava, parecia que sentia nojo ao falar desse assunto - Você sabe o quanto eu pensava em nós? O quanto eu estava ansiosa para voltar para seus braços? - Um nó se formou em sua garganta, mas não iria chorar, não iria demonstrar que isso a deixava profundamente triste, e não com tanta raiva - Você tem noção do tanto que eu amo você, Priscila? E como nunca fui amada do mesmo jeito?

- É claro que foi... - Finalmente disse algo - E eu sinto muito, Lilian, sinto muitíssimo.

- Se você sentisse muitíssimo como diz, você não teria feito isso comigo. - As lágrimas desceram todas de uma vez, e os soluços desesperados começaram, enquanto Priscila continuava o mais séria possível - Você só tem cara de boa pessoa, mas é uma pessoa muito, muito ruim. - Secou os olhos - Sai daqui.

Pri obedeceu, sabia que não adiantaria nada tentar rebater agora, porque Lilian não acreditaria, talvez nunca acreditasse que o que fez foi por amor.

Ouvir coisas assim a destruiu, e dizer coisas assim destruiu Lilian, que só queria que Priscila a amasse de verdade.

Lilian ouviu os passos de Pri se afastarem enquanto tentava conter o choro, mas falhou inutilmente nisso.

O que aconteceu foi um verdadeiro surto de raiva. Afundou o rosto no travesseiro e gritou como se não houvesse amanhã, socava o colchão com toda a sua força, batia os pés descontroladamente, não estava controlando mais suas atitudes.

Derrubou todas as decorações da prateleira, que se espatifaram em mil caquinhos, depois pegou um bichinho de pelúcia que Ângelo a presenteou e rasgou sua cabeça fora, colocou no chão e o pisoteou, apenas parou quando um caco de vidro cortou a sola de seu pé.

Gritou, não de dor física, mas emocional, não queria aquele sentimento dentro de si por mais um segundo. Suspirou, sentindo a cabeça girar, e foi ao banheiro para lavar seu machucado.

COSMOS E CHAOS - Uma história sobre amor.Onde histórias criam vida. Descubra agora