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CAPÍTULO XI

E os dias passaram tranqüilos, harmonizando-se com a bucólica paisagem que cercava a vila Cayi. Os milharais, os campos de trigo, as vinhas, os bosques de ciprestes, as colinas ondulantes que abrigavam aqui e ali casas com teto de telhas vermelhas, tudo naquele cenário sugeria paz e serenidade.

, Embora fosse uma construção ampla, a vila parecia intimista se comparada ao imenso palazzo que os Lan possuíam em Gusu. Os quartos eram acolhedores e ostentavam nas paredes tapeçarias multicores e brocados cor-de-marfim sobre fundo de veludo vinho.
Mas a verdadeira paixão de Wuxian eram os jardins que circundavam a construção. Havia um agradável jardim com seu labirinto de alamedas ladeadas por ciprestes e canteiros floridos, em cujo centro destacava-se uma fonte presidida por estátuas de Netuno e de suas ninfas. Mais adiante, o terreno relvado descaía suavemente, pontilhado de velhos carvalhos, muito altos e com troncos nodosos.

Wuxian evitava só uma área daquele jardim: um aprazível recanto com um pequeno tanque de cisnes, orlado de colunatas romanas e bancos que convidavam ao doce ócio. Ali, naquela parte, Wuxian deparara-se com a escultura de um querubim montado em um golfinho. A mesma escultura que se acostumara a ver desde a sua infância no jardim do Castelo de Wei.

Na primeira e única vez em que a vira ali, ele estivera passeando com Lan Zhan. Sentira um frio no estômago e quase desfalecera. Lan Zhan, mais que depressa, levara-o até um banco próximo e fizera com que se sentasse.

Wuxian justificara seu súbito mal-estar dizendo que se tratava de uma conseqüência da gravidez. Tivera, porém, o cuidado de nunca mais retomar àquele recanto. Não suportava pensar que era apenas um visitante temporário naquele tempo e que, de um momento para outro, poderia voltar para sua época.
Wuxian correu os dedos pela balaustrada de mármore que cercava o jardim e ficou olhando para a estrada. Sabia que a qualquer minuto avistaria a nuvem de poeira que assinalaria o retomo de Hanguang-jun.

Sim, pensou, estava vivendo dias de tranqüilidade. E as noites… Wuxian fechou os olhos. As noites eram cheias de paixão e ternura. Mais e mais, o elo entre ele e Lan Zhan se fortalecia. Não obstante, havia sempre uma fina linha de tensão a separá-los, como as nuvens agourentas que se concentram no horizonte distante em um dia de sol.

Wuxian não repetira sua declaração de amor nem Lan Zhan encontrara meios de proferir as palavras que o ômega tanto queria ouvir. As palavras que, qual um talismã mágico, dissipariam as suspeitas que repousavam no coração de Lan Zhan. Às vezes Wuxian flagrava a dúvida em seu olhar. Nessas ocasiões, a mágoa vinha corroê-lo como um veneno amargo.
Julho passara e viera o mês de agosto, trazendo a época das colheitas. A terra então ficara exposta, exibindo seus ricos matizes de marrom e cobre. Nas vinhas, as uvas começavam se estufar e a adquirir uma coloração purpúrea.

Wuxian sabia que o tempo de calmaria estava chegando ao fim. Como já previra, as últimas notícias do mundo exterior davam conta de que Wen Rouhan já rumava para a Província a fim de reclamar seus direitos sobre Qinghe. Dizia-se ainda, uma breve alusão, que Wen Chao, filho ilegítimo do Roukan,  o acompanhava . Entretanto, ninguém associou esse fato à excomunhão dos representantes do Conselho que governavam as cidades de Yunmeng e Qinshan, Gusu, Luoyang e Pequin por ostensivamente falharem no pagamento dos impostos devidos ao Grande Conselho. Mas Wuxian sabia o que estava por vir. E, a cada dia, sua apreensão aumentava.

Wuxian sabia que logo Chao, sob pretexto de resgatar as cidades para seu pai regente do Grande Conselho, começaria a estabelecer seu próprio Conselho na China Central. Sabia que ele contrataria os melhores comandantes mercenários do país, os estudiosos de guerra, para ajudá-lo nessa empreitada. E que Lan Zhan, com suas tropas bem-treinadas e artilharia moderna, seria um dos primeiros escolhidos. Por mais que Wuxian refletisse e passasse noites em claro, revirando-se no leito, não encontrava uma solução para impedir o curso inevitável dos fatos.

As duas vidas de Wei WuxianOnde histórias criam vida. Descubra agora