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CAPÍTULO XXI

Lan Zhan desmontou do cavalo antes mesmo que o animal parasse completamente. Deixara Mingjue e os dois soldados que o escoltavam para trás, horas antes, e viera a todo galope pela estrada. Ao cruzar o saguão do palácio, desviou-se dos criados que corriam para recebê-lo e foi logo subindo a escadaria de dois em dois degraus, enquanto descalçava as luvas e tirava a boina emplumada e o casaco sujo de lama.

A viagem fora interminável, com as estradas de Pequim transformadas num lamaçal devido às chuvas que vinham da direção do mar. Lan Zhan estava tão exaurido que era incapaz de discernir suas emoções. A fadiga física deixara-o entorpecido, embotado. A única coisa que o sustinha de pé era uma urgência cega.
Quando irrompeu nos aposentos do pai, houve um burburinho entre os cortesãos presentes, que se postavam em pequenos grupos e permaneciam ali a despeito da hora adiantada. Uns limitaram-se a olhar para ele. Outros o chamaram. E outros, ainda, fizeram menção de aproximar-se. Lan Zhan, porém, ignorou-os todos e precipitou-se para a sala contígua. Ao abrir a porta da antecâmara, os guardas se alertaram, cruzando as lanças diante da entrada do dormitório. Imediatamente o reconheceram e se afastaram para lhe dar passagem. Um deles interpelou-o, quando começou a girar a maçaneta da porta e descobriu que estava trancada.

— Com os diabos! O que se passa aqui? — Lan Zhan bradou, virando-se para os guardas.

— Yiling Laozu mantém a porta sempre trancada, Excelência..

A alusão a seu esposo, seguida do ruído da chave girando na fechadura, fez com que ele se enrijecesse. De repente, foi dominado por um medo terrível, tão terrível que suplantava de longe o temor sentido nos campos de batalha.

Reunindo toda a sua coragem, Lan Zhan virou-se lentamente.

O som de um cavalo galopando no Campo despertara Wuxian de um sono conturbado. Em questão de segundos, ele levantara-se da cadeira e fora até a janela. Nada vira, porém, a praça continuava deserta naquela aurora que ainda guardava resquícios da chuva da véspera.
Inquieto, ele desistira de voltar para a cadeira e pusera-se a andar de um lado para outro. Já havia ultrapassado o limite do cansaço. Seus músculos estavam dormentes. Uma dor difusa espalhava-se por seu corpo. Mas era uma dor vaga, remota, que parecia pulsar na carne de outra pessoa.

Wuxian deteve-se à cabeceira do moribundo. Incapaz de assistir a seu sofrimento, ele implorara ao duque que tomasse a poderosa droga que havia encomendado a um médico. Dom Qiren não mais relutara em atender suas súplicas e tomara uma dose do remédio. Agora jazia inerte, às vezes consciente, às vezes inconsciente. Fazia dias que se achava naquele estado, agarrando-se a um último sopro de vida para esperar a chegada do filho.

De súbito, uma agitação na antecâmara chamou a atenção de Wuxian. Ele escutou o tilintar das lanças dos guardas e viu a maçaneta sendo forçada. Oh, meu Deus!, pensou. Seria seu irmão? Seria possível que SuShe tivesse descoberto seus planos e houvesse decidido apressar a morte do velho duque? Foi então que ouviu vozes. Soavam abafadas por trás da espessa porta de carvalho e Wuxian não conseguiu discerni-las. Mas, sem que soubesse por quê, teve certeza de que finalmente Lan Zhan havia regressado.

O coração batendo descompassado, atravessou o quarto. Sem hesitar, destrancou a porta e empurrou-a com um gesto decidido.
Por um momento que pareceu eterno, o mundo parou de existir à volta deles. Ambos permaneceram perfeitamente imóveis, seus olhos espelhando suas almas e o turbilhão de suas emoções.

Wuxian havia esperado longamente por aquele dia. Tinha vontade de correr para os braços de Lan Zhan. Vacilou, sem saber qual seria a reação dele. E a sua própria.

(....)

Wei Ying tinha um ar tão frágil e alquebrado, Lan Zhan lamentou, notando sua palidez e seu olhar carregado de tristeza. Qual seria sua parcela de culpa no sofrimento do esposo? Cedendo às emoções que despertavam em seu íntimo, ergueu a mão e acariciou a face de Wei Ying, já receando que ele fosse se esquivar. Mas não se esquivou. E Lan Zhan sentiu um misto de esperança e gratidão.
— Está bem, Wei Ying?

As duas vidas de Wei WuxianOnde histórias criam vida. Descubra agora