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CAPITULO XXVII

O pânico ameaçou sufocá-lo. Wuxian viu Lan Zhan ajoelhar-se. Viu-o baixar a cabeça. Viu seus cabelos  penderem contra a brancura macabra do patíbulo. E o executor se inclinou sobre seu corpo vergado. Ele sabia que precisava fazer alguma coisa. Mas o quê? O quê? Seu cérebro gritava, girando e girando…

Os tambores se aquietaram. O silêncio que se seguiu foi tenso, exigindo o clímax, a catarse da multidão. O algoz elevou sua espada. Um raio de sol incidiu na lâmina, que fulgurou sinistramente.

Súbito, o cheiro de serragem fresca insinuou-se nas narinas de Wuxian, evocando-lhe todo o horror de seu pesadelo. Ocorreu-lhe então uma estranha percepção. O encadeameento dos acontecimentos, os sons, os odores eram os mesmos. Entretanto, havia algo diferente na cena que se desenrolava ali. Algo intangível, difícil de definir. E nem por isso menos real.

O ar a seu redor pareceu vibrar. Wuxian sentiu os cabelos em sua nuca se eriçarem. E percebeu afinal o que havia de diferente ali: em seu pesadelo, tudo era engolido pelo mais negro desespero; agora, porém, as imagens eram diáfanas e repletas de luz.
A ansiedade cresceu em seu peito. Wuxian recostou-se ao espaldar da cadeira e virou-se bruscamente para Wen Chao Ele permanecia sentado, aparentando a mais perfeita calma. Só que, em sua fronte, uma veia pulsava com fúria.

— Sei o exato dia em que seu pai morrerá  Wuxian segredou-lhe, com o coração aos pulos. Falava baixo, com a voz rouca de um velho cigano, num ritmo hipnótico que lembrava a suave cadência de um encantamento:
— E sei exatamente o que lhe acontecerá após esse dia. Ficará fraco como um recém-nascido. Todo o seu poder e sua riqueza lhe escaparão, como um punhado de areia deslizando por entre seus dedos. Nada poderá fazer para impedi-lo. Morrerá na mais absoluta miséria. E todos aqueles que o tiverem conhecido rirão de sua desgraça.

Wen Chao.voltou-se para ele imediatamente. Toda a sua descontração pareceu evaporar-se. A máscara de casualidade escorregou de seu rosto, revelando apenas crua apreensão. Ele agarrou-lhe o pulso com brutalidade. Os olhos opacos rebrilharam com a mais viva ira.
— Diga-me, maldito! Agora!

— Não!

A dor que Wen Chao lhe impingia era atroz, mas Wuxian resistiu. E, quanto mais resistia, mais Chao o machucava.

Tomado de desespero, abandonou-se à dor e relaxou. O duque diminuiu a pressão e ele puxou o braço mais que depressa.
Wen Chao ainda tentou segurá-lo.

Wuxian desvencilhou-se de um salto, fazendo sua cadeira oscilar. Tropeçou, caiu de joelhos, levantou-se num átimo e desceu do tablado. O duque foi no seu encalço.

— Pare! — Wuxian exigiu, fazendo um gesto defensivo. — Meu anel contém um veneno mortal. Se der mais um passo, ,eu o beberei. E ficará de mãos vazias, Chao!

Wen Chao não fez caso de sua advertência. Avançou para ele. Wuxian aproximou o anel dos lábios.
— Fique onde está ou beberei o veneno! Não duvide de mim, pois nada mais tenho a perder!

Wen Chao assumiu um ar conciliador. Retrocedeu, mal contendo o ódio. Sua voz soou embargada.

— Está bem. Como preferir.

— Mantenha distância. Não quero ninguém perto de mim. De novo, Chao recuou. O sangue lhe fervia nas veias. Jurou a si mesmo que faria Yiling Laozu pagar por aquela humilhação. Faria alfa e ômega pagarem. E caro, muito caro, ele reiterou, rangendo os dentes.

— O que quer, Yiling Laozu? -— perguntou num tom macio.

— Sabe perfeitamente o que quero. Deixe-o partir. Depois que Lan Zhan estiver a salvo, fora dos portões de Qinshan, voltaremos a conversar, o senhor e eu.

As duas vidas de Wei WuxianOnde histórias criam vida. Descubra agora