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CAPÍTULO XV

Percebendo as necessidades de seu dono, o cavalo de Lan Zhan conservou-se imóvel em meio ao vento frio que vinha fustigar o topo da colina.

De seu posto de observação privilegiado, numa das colinas mais baixas ao sul da cidade, Lan Zhan observava a pilhagem que se desencadeava em Moran. Ou, mais precisamente, imaginava como estaria se desenrolando o saque, enquanto o vento trazia até ele os rolos de fumaça espessa e os gritos que se elevavam atrás dos muros da cidade.

Atrás dele erguia-se a sucessão de tendas onde haviam acampado os dez mil homens que Wen Chao arregimentara para sua campanha. Agora, além dos mil e quinhentos soldados de Lan Zhan, só os feridos e enfermos as ocupavam. Seus homens sentavam-se em tomo de fogueiras, jogando dados e bebendo vinho. Ele se orgulhava com o fato de que seus soldados haverem se recusado a tomar parte da pilhagem e dos estupros na cidade derrotada. Não ignorava, porém, que a recusa deles não se devia propriamente ao senso de honra e aos escrúpulos, mas sim ao pagamento adicional que lhes fora prometido no final da campanha.
Lan Zhan vira em primeira mão a estratégia de Wen Chao. Quando Tuni, a cidade irmã de Moran, rendera-se duas semanas antes, o segundo Conselheiro controlara suas tropas com mão de ferro, não permitindo que fossem cometidos estupros e pilhagens. Quando chegara a hora de Moran, seus habitantes o saudaram quando adentrou a cidade com os soldados. Mal sabiam que ele daria toda a liberdade a seu exército de espanhóis, franceses, alemães, italianos e os chineses. .

Wen Chao não agia assim movido por sede de vingança. Na verdade, queria dar um exemplo de sua determinação, a fim de enfraquecer a resistência de ShenLu, que se aquartelara na fortaleza no extremo de  Moran. Doravante, toda cidade que Wen Chao sitiasse tremeria e capitularia, lembrando-se da facilidade com que o alfa recompensava ou punia..

Desde a mais tenra idade, Lan Zhan fora treinado para ser um soldado e nunca questionara sua educação. Aos quinze anos vira uma batalha pela primeira vez. Aos dezoito, ganhara o comando de tropas. Sobrevivera à campanha contra os alfas da Província do Leste e ao massacre em Fujin. Agora, entretanto, quando via a fumaça que pairava sobre a cidade conquistada, sentia náusea ao pensar no que estaria acontecendo dentro daqueles muros. Saques, estupros, violência, terror. Fora a isso que a sua perícia militar levara.

Ele deslizou a mão sob o pesado casaco e, por baixo do gibão, apalpou a cruz que Wei Ying lhe dera. Por um instante, todo o horror à sua volta pareceu se desvanecer. Mesmo se censurando por alimentar um sentimentalismo tolo, sorriu ao se lembrar de Wei Ying colocando aquele crucifixo em seu pescoço.
Não obstante, a emoção que o dominou não afastou suas desconfianças. As mãos dele recaíram sobre as rédeas do cavalo. De repente, Lan Zhan sentiu necessidade de velocidade, de ação; qualquer coisa que o fizesse esquecer aquele sentimento que o torturava com tamanha doçura e acridez. Esporeou o cavalo e lançou-se a um galope furioso.

(...)

Segurando um maço de cartas de Lan Zhan, Wuxian recostou-se à janela e olhou para o Campo coberto por uma fina camada de neve. Lera e relera cada uma daquelas cartas, na esperança de encontrar uma palavra de carinho. Em vão. Ele tentava se convencer de que Lan Zhan, afinal, tinha outras preocupações e não podia ficar lhe escrevendo cartas apaixonadas. Porém, era forçado a admitir que teria gostado muito de ler cartas mais pessoais.

Lan Zhan escrevia-lhe formalmente. Expressava o desejo de que ele se restabelecesse em breve. De resto, suas cartas mais pareciam relatórios militares. O sítio e a rendição de Imola. O sítio e o saque de Moran. O ataque a cidadela e a resistência da ômega regente de Moran ShenLu. A destruição da muralha da fortaleza e a captura de ShenLu…

O olhar ausente de Wuxian pousou no maço de cartas. A última missiva, Lan Zhan escrevera-lhe às pressas durante a marcha de Moran para Qinshan, próximo alvo de Wen Chao. Ela sabia de antemão que ali não haveria batalha. Logo a campanha chegaria ao fim e Lan Zhan voltaria para casa.
Contudo, em vez de alegria, Wuxian sentia a fria mão do medo tocar-lhe o coração.

As duas vidas de Wei WuxianOnde histórias criam vida. Descubra agora