As duas vidas de Wei Wuxian

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CAPÍTULO XVIII

Irrequieto, Lan Zhan saiu do salão profusamente iluminado e foi até o balcão. Debruçando-se, espiou a praça deserta, que se estendia com suas pedras sonolentas, rodeada de casas às escuras. Lá no alto, a abóbada do céu estava velada pelo pálido luar. Era uma daquelas típicas noites de fim de inverno, que acenavam para a estação de calor que em breve chegaria.

Lan Zhan inspirou profundamente e encheu os pulmões de ar fresco. Logo, os canteiros de Gusu ficariam em flor e as árvores se revestiriam de folhas verdes e brilhantes.
Com o poder de concentração que lhe era peculiar, ele bloqueou os sons da música, das conversas e das risadas que pairavam no salão às suas costas. Imergiu então em um mundo de paz e silêncio.
Os hóspedes finalmente partiriam na manhã seguinte. Teria ainda alguns dias para ficar com Wei Ying, antes que também fosse forçado a rumar para Pequim. Wen Chao havia requisitado todos os generais para sua entrada triunfal na Cidade Sem Noite. Além disso, nos últimos meses Lan Zhan vira mais de um exemplo do que acontecia à gente que não atendia às solicitações de Wen Chao como se fossem ordens.

Naqueles dias em que disporia de mais tempo a sós com o esposo, será que seus pesadelos continuariam? E será que ele realmente queria que aqueles sonhos cessassem? Ou alguma parte cruel de seu espírito desejava que Wei Ying padecesse até deixar escapar um murmúrio, uma palavra que comprovasse ou desmentisse, de uma vez por todas, as suas suspeitas?

As portas duplas atrás dele foram escancaradas. Lan Zhan praguejou baixinho, vendo que sua paz estava prestes a acabar. Porém, ninguém veio até o balcão para falar com ele. Lan Zhan então colou-se à parede e esperou.

— Não imagina quanto me proporcionou nesses últimos dias, Yiling Laozu.

Ao som daquela voz, Lan Zhan ficou rígido. Depois ouviu uma risada familiar em resposta às palavras proferidas. Ele crispou as mãos na grade do balcão.
— Ora, Jovem Mestre, não exagere!

— Mas não estou exagerando, belo senhor. Quando partir de Gusu, meu coração ficará à sua mercê.

A vidraça retiniu levemente quando as portas foram fechadas. Lan Zhan ouviu outra risada, dessa vez tênue, porém não menos sedutora e provocante.

Mesmo depois que as duas vozes se perderam no burburinho da multidão, ele continuou agarrando a grade, mal notando que o frio do ferro se transferia para seu corpo. Então, finalmente encontrara uma resposta para a pergunta que o atormentava:
Wei Ying o traíra. Seria por isso que, noite após noite, acordava gritando, banhado em suores gelados? Acaso era a culpa que não o deixava dormir um sono tranqüilo?
Ele me traiu. Ele me traiu... As palavras se repetiam em seu cérebro qual uma ladainha enfadonha.

Por um momento, Lan Zhan não sentiu absolutamente nada. Nem dor nem raiva. Só o vazio que transformava seu coração num árido deserto. Por um momento, o mundo inteiro parou e se tornou um lugar frio, muito frio.
Por fim, veio a dor. Numa onda poderosa, que quase o deixou sem fôlego. Lan Zhan tentou negar que seu coração estava se partindo em mil pedaços. Se pudesse, tê-lo-ia arrancado do corpo para não sentir mais aquela dor lancinante.

Mas Lan Zhan era um lutador, e não tardou para que seu senso de preservação sobrepujasse a autopiedade. E ele lutou contra a dor. Lutou com desespero, recorrendo à arma infalível que o defendera durante toda a vida: a fúria. E assim, deliberadamente, deixou-se dominar por ela.

A ira tomou conta dele e o fez arder em um fogo de destruição. Ciente de que seria capaz de matar Wei Ying e JiangCheng se voltasse ao salão naquele momento, Lan Zhan se recompôs. Fechando os olhos e os ouvidos para a alegria que fluía à sua volta, enveredou por um corredor e saiu.
Não quis molestar o cavalariço e selou ele mesmo sua montaria. O animal pressentiu sua tensão. Quando foi montá-lo, o cavalo já estava inquieto, relinchando e raspando os cascos no chão. Mal Lan Zhan se instalou na sela, disparou dentro da noite.