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CAPÍTULO XIII

 Providenciarei para que receba sem falta os alimentos e as ervas de que precisa, irmã — Wuxian prometeu, guardando a lista de itens numa bolsa de couro, que entregou à Ângela.

 Antes que pudesse impedir, a freira curvou-se e beijou a manga de seu casaco.

 — Que Deus abençoe o senhor e a casa dos Lan.

 Wuxian aceitou os agradecimentos. Perguntou-se o que a irmã diria se soubesse o que estava prestes a fazer. Quando se virou para deixar o hospital, Angela  fez menção de segui-Io. Wuxian deteve-a com um gesto:

 — Espere-me aqui. Vou rezar um pouco — esclareceu, e indicou a catedral que ficava do outro lado da piazza.

 — Eu acompanharei o senhor.

 — Prefiro ir sozinho, Angela. Espere-me aqui ...,..— ele reinterou, com os nervos à flor da pele. Depois, vendo que a outra se magoava e arrependendo-se do tom brusco que usara, apertou-lhe a mão e apressou-se em sair.

 O vento frio fustigou-lhe o rosto. Wuxian puxou o capuz da capa e protegeu-se da chuva. A passos rápidos, cruzou a praça e subiu os degraus escorregadios da catedral.

 No interior da igreja, as velas acesas não chegavam a espantar a tristeza daquele dia cinzento de setembro. Mal se lembrando de ajoelhar e fazer o sinal-da-cruz, Wuxian precipitou-se para o lado esquerdo da nave. Olhou nervosamente em torno de si. 

Agradeceu aos céus que a catedral estivesse deserta. Com o mau tempo, a maioria dos moradores de Gusu preferia se encerrar dentro de suas casas.

 Ele deteve-se quando alcançou a grade de bronze que demarcava a pequena capela . Tirou o capuz e cobriu o rosto com um véu escuro que lhe dissimulava as feições. Esse gesto, que sugeria traição e subterfúgio, fez com que recordasse, mais uma vez, os riscos que corria. Mas não tinha alternativa, repetiu para si mesmo. Só lhe restaria fingir. Não podia perder o controle da situação e ficar à mercê de SuShe. Aí, sim, cairia em completa desgraça.

 De repente, seu coração disparou de tal forma, que o ar lhe faltou. Pressionou a mão sobre o peito e apoiou-se a uma coluna de mármore branco e negro. Por um momento, fechou os olhos. Logo tomou a abri-los, horrorizado com a cena que despontava em sua mente: ele e Lan Zhan em uma rua escura, cuja calçada estava tingida de sangue.

 Desde sua última conversa com SuShe, aquela cena o perseguia a cada vez que fechava os olhos. Imagens de sangue jorrando. Tanto sangue… Wuxian tentava se convencer de que apenas relembrava o relato que Yiling Laozu fizera em seu . diário:

(Wei Ying)

"Fingindo fraqueza, implorei a Lan Zhan que mandasse buscar a liteira. O homem que o escoltava saiu para atender meu pedido e nós dois ficamos sozinhos sob a sombra de uma construção inacabada. Percebi um vulto se aproximando e comecei a gemer para distrair meu marido. O vulto já se achava quase sobre nós quando me dei conta de que não estava preparado para prescindir do prazer carnal que Lan Zhan me proporcionava. Nem mesmo em prol de meus irmãos. Pelo menos, não ainda. Eu me virei depressa e puxei Lan Zhan. A faca, que deveria ter se enterrado em suas costas, cravou-se em seu ombro."

Mas, por mais que tentasse se persuadir do contrário, Wuxian sabia que as imagens impressas em sua mente não correspondiam exatamente à cena descrita no diário.

 Respirou fundo uma, duas vezes. Pousou a mão no ventre. Já havia alterado tantos detalhes daquela história... 

Preservaria a vida de seu filho. E haveria de conseguir preservar a vida de Lan Zhan. 

As duas vidas de Wei WuxianOnde histórias criam vida. Descubra agora