Pegadas

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Finalmente vocês vão entender o que aconteceu há 40 anos atrás... Direto do túnel do tempo.

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"Pergunte a ele por que ele preferiu ir embora e não acabou com a vida de Estêvão há quarenta anos."

Marieta voltou para a mansão Martinez com as palavras de Pietro se repetindo na mente. Ela sabia da existência de muita dor e ressentimento envolvendo os irmãos – até porque boa parte das informações foram ditas, com a sutileza habitual, pelo falecido Estêvão. Porém, ela percebeu que os conflitos entre Pietro e Ramón possuíam contextos que eram além do que ela já sabia e o que ambos haviam revelado à governanta.

Tanto que assim que ela chegou em casa, e o motorista a apoiou segurando as compras e levando até a cozinha, a idosa se viu parada no meio do cômodo, pensando muito mais nas indiretas de Pietro do que em como guardar tudo na despensa.

- Faz isso pra mim? – a governanta pediu a Alice, que assentiu, percebendo o nervosismo nas mãos trêmulas de Marieta.

Durante o resto do dia, a idosa ficou em seu quarto, sendo recebida algumas vezes pela neta, que recebeu a informação de Alice sobre o estado mental de Marieta.

- Não se preocupe, Sarinha. Está tudo bem. Só foi um dia muito agitado, e eu estou cansada. Acho até que passou da hora de eu pedir minha aposentadoria.

- Sempre achei que a senhora devia fazer isso, vó. A senhora trabalhou tanto, e agora não apenas tem uma boa aposentadoria, mas também o dinheiro herdado que veio de seu Estevão. Será que a senhora não quer tocar nesse valor, mas... acho que essa é uma boa oportunidade para pensar no seu futuro. Comprar uma casinha, ter um descanso, acordar na hora que quer...

- Sim, mas neste momento... Eu não quero pensar nisso, não quero tocar nesse dinheiro. Sei que em algum momento terei que aceitar o que a vida me deu, o que Estevão me ofereceu. Agora, meu amor, não se preocupe, e volte para o trabalho. Não fique tensa, até porque estou aqui descansando.

Deu um beijo no rosto da neta. Sarah ensaiou um sorriso tímido e mexeu a armação dos óculos antes de voltar à mansão.

Durante a noite, foi a vez de outra pessoa bater à porta da casa de Marieta, as mãos nos bolsos e os óculos escuros no rosto, mesmo com a escuridão das horas, indicando um vívido interesse em sua situação.

- Alice comentou por alto que você está nervosa e ficou cansada após a ida ao mercado. Mande sua neta ou as empregadas fazerem isso, Marieta, por favor.

Era uma versão mais informal de Ramón Martinez que apareceu em sua porta, contudo, sempre de preto e desta vez, com um lenço de seda roxa no bolso externo da camisa social. Os cabelos grisalhos estavam despojados, o que era uma surpresa para Marieta, já que Ramón sempre foi muito vaidoso e preocupado apenas consigo mesmo e com a visão que ele oferecia a outras pessoas.

A governanta cruzou os braços e comprimiu os olhos.

- Em breve farei isso.

- Mas... Me parece irritada com algo. Comigo? – ergueu a palma da mão. – Juro por Tara que não fiz nada.

- Mas Pietro Falcão acha que você fez algo.

A mão de Ramón abaixou, e novamente ficou escondida no bolso da calça. Ele deu dois passos largos para dentro da casa de Marieta, e controlou o máximo a própria respiração, antes de tirar os óculos do rosto e pendurar na camisa.

- O que ele disse exatamente?

- Exatamente com essas palavras: "Pergunte a ele por que ele preferiu ir embora e não acabou com a vida de Estêvão há quarenta anos.".

Três DesejosOnde histórias criam vida. Descubra agora