1 - Solarinho

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Antes de se levantar, Ana já sentia o cansaço. Deitada de barriga para cima, contemplava o ventilador de teto de modo sonolento e desanimado. Tinha um milhão de coisas para fazer, e só de imaginar, tinha vontade de virar de lado e continuar dormindo. Mas não podia, então se trocou, deixou o quarto e se ocupou de suas funções.

A semana tinha sido intensa na pousada devido à pintura e às pequenas reformas. O segundo semestre do ano costumava ser assim, com uma movimentação intensa para deixar tudo pronto antes do fim do inverno e receber melhor os turistas, cujo volume aumentava significativamente do início da primavera até o fim do ano. Setembro chegara, e ainda havia muito o que fazer.

A Pousada Solarinho era um estabelecimento simples, localizado a 50 metros da Praia de Maresias em São Sebastião, litoral norte de São Paulo. Possuía apenas 12 quartos, mas era muito aconchegante e, o mais importante, atendia perfeitamente aos turistas solteiros que desejavam curtir a praia e relaxar nos finais de semana.

Ana cuidava da pousada junto com Antônio, seu pai. O imóvel pertencia à família desde sempre, e atualmente, eram apenas os dois que administravam tudo, com a ajuda de Catarina, uma mulher de meia idade responsável pela limpeza e pelo café da manhã, e alguns auxiliares temporários nos finais de semana de maior movimento.

Era uma quarta-feira; atipicamente, Ana assumiu a recepção um pouco mais cedo, visto que Antônio precisou se ausentar pela manhã. Acomodada de modo relaxado na cadeira, ela suspirava e se abanava por causa do calor fora de estação. Nos últimos dias, o sol não tinha dado trégua, as temperaturas elevadas chegaram a bater 35ºC no fim de semana, e nem as chuvas, tão comuns na região, conseguiam amenizar a quentura.

Tão parada quanto podia ficar para evitar o calor, sentiu o suor escorrer pelo pescoço, descer pela nuca até a gola da blusa, e, rendida, remexeu numa das gavetas do balcão em busca de uma presilha. Finalmente, encontrou um elástico e amarrou de modo displicente o cabelo mais comprido do que o usual para sua idade.

Seu pai costumava dizer que ela parecia uma adolescente, e ele estava certo. As madeixas viviam embaraçadas, principalmente depois que ela decidira pintar uma parte dos fios da nuca de cor de rosa, uma péssima decisão para quem não tinha tempo nem vontade de ficar fazendo tratamentos em salões de beleza.

– Boa tarde.

A voz grave e baixa a pegou de surpresa. Distraída, ela não tinha ouvido nenhum barulho, nem notado a entrada do visitante. Não conseguia também ver o rosto do indivíduo por causa da luz que vinha da porta, mas dava para notar que ele também tinha o cabelo meio bagunçado.

– Boa tarde, tudo bem? Seja bem-vindo! – Ana sorriu para o sujeito alto e se lembrou de que não tinha descartado o chiclete que mascava há mais de meia hora. Terminou por escondê-lo debaixo da língua, sem contudo desfazer o sorriso.

– Preciso de um quarto, por favor.

– O senhor fez alguma reserva?

– Não fiz. Estava de passagem e resolvi ficar. Tem vaga?

– Temos alguns quartos disponíveis. Tem preferência por andar? Há uma suíte no térreo e duas lá em cima. Uma delas possui sacada de onde se pode ver o mar. Essa tem um custo maior, caso esteja interessado. A pousada oferece café da manhã, porém não são servidas outras refeições. Se precisar, o senhor poderá encontrar alguns restaurantes ao longo da calçada...

– Pode ser esse, com sacada. Como faço? Pago adiantado?

– Muito bem. Preencha essa ficha, por favor, enquanto eu verifico se está tudo certo com o quarto.

Ana ficou um pouco sem graça pela interrupção, mas se esqueceu rapidamente do assunto. Estendeu uma ficha para que o visitante preenchesse os dados da reserva, sem deixar de notar a ansiedade dele em sair dali.

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