73 - Represado

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Embora o quadro de Diego fosse delicado por conta do pós-operatório, ele podia se comunicar, e o encarregado do caso não queria perder a oportunidade de colher a maior quantidade de informações possível.

E de nada adiantou insistirem para que Lucas não participasse do interrogatório, quando a enfermeira finalmente deixou o quarto, Lucas estava entre os policiais.

Com os braços cruzados, Lucas permaneceu perto da porta, separado dos demais. De onde estava, ele observava Diego, que não conseguia esconder o incômodo de ter o olhar inquisidor sobre si. Ainda que cansado, possivelmente com os reflexos e a capacidade analítica prejudicados, Lucas acreditava que poderia entender e "ler" melhor o depoente se estivesse à parte do centro da ação.

Lucas sempre foi melhor nessa parte. Ele preferia se manter calado, observando, enquanto outros faziam as perguntas. Dificilmente era ele quem conduzia um interrogatório ou abordava os suspeitos, visto que suas habilidades sociais nunca foram algo de que pudesse se orgulhar. Talvez por isso ele fosse bem melhor em enxergar as nuances do comportamento dos outros; livre de ser o centro das atenções, percebia quando as travas e as fachadas cediam e revelavam os pequenos detalhes que o ajudavam a diferenciar a verdade da mentira.

Assim que o advogado de Diego chegou, Alencar deu início às perguntas.

– Muito bem, Diego. Você já deve saber que a coisa não está boa para o seu lado. Sequestro, estelionato, tentativa de homicídio, tráfico internacional de drogas...

– Se eu puder ficar no Brasil, então respondo qualquer pergunta que me fizer, mas não me mande de volta pra Espanha, seria minha sentença de morte.

– Estou pouco me fodendo. – Lucas sibilou do outro lado da sala. Alencar apenas olhou para ele, contrariado. Lucas só estava ali porque tinha garantido a Alencar que ficaria de boca fechada.

– Tenho uma proposta de acordo – o advogado apresentou algumas opções de acordo a Alencar, em que Diego disponibilizaria informações em troca de asilo. O delegado fez um telefonema para a promotoria e, depois de um tempo de espera, conseguiu dar continuidade ao interrogatório.

– Vamos por partes. Primeiro me diga como funciona o esquema de tráfico de drogas.

Diego consultou o advogado e, após sua aprovação, começou o testemunho.

– Bem... Há um ponto de armazenamento de drogas em Santos, próximo ao porto. A droga é transportada em caminhões da Donatore até lá e, em seguida, armazenada em contêineres. Quem ajuda com isso é um comparsa na alfândega, ele não deixa a fiscalização chegar no local. Durante o abastecimento de navios internacionais, mergulhadores ocultam a droga no casco das embarcações por ser um local de difícil inspeção. Essa atividade é realizada por uma empresa de manutenção náutica chamada Sea Nau, que usa a manutenção dos navios como fachada para selecionar as embarcações adequadas ao transporte ilegal. Quando o navio chega à Espanha com a droga, sou eu quem costuma interceptar a carga e depois cuido da distribuição. Para mim isso é moleza, porque sou da alfândega, também tenho meus esquemas por lá.

– E quanto ao dinheiro? Como vocês fazem? – Alencar questionou.

– Parte do dinheiro retorna ao Brasil como investimento no setor imobiliário. – Diego continuou o relato. – Esse assunto é complexo pra mim, quem cuida disso é a Nancy. Só posso dizer que o projeto de hotéis e pousadas na costa do Mediterrâneo é, na verdade, mais uma forma de disfarçar a origem criminosa dos recursos financeiros que entram na Espanha, tornando-os aparentemente legítimos através de transações comerciais falsas. Isso dificulta a identificação das fontes ilícitas do dinheiro, ou seja, as construções são apenas fachada para sustentar o esquema.

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