35 - Coração Sangrando

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Lucas abriu o portão da residência através da fechadura inteligente. Fez a checagem de sempre, observou as câmeras, conferiu as correspondências, olhou ao redor, então parou na entrada da casa e largou a mochila e algumas sacolas com compras no chão.

Finalmente estava de volta. Os dias na casa da família foram essenciais para que ele colocasse a mente e o coração nos eixos, mas ele teve que voltar. Não que estivesse bem, ainda não, mas não tinha cabimento ficar chorando no colo da mamãe enquanto o mundo continuava girando.

Lucas havia recebido um comunicado de Alencar, seu superior, alertando-o de que deveria comparecer à D.P. ainda este mês para resolver a questão da terapia, caso contrário, sua licença seria suspensa indefinidamente. Ele sabia que esse dia chegaria, só não prestou atenção que o tempo tinha passado tão rapidamente.

Já tinha completado seis meses desde a morte de Alice. Seis meses sem respostas, sem entender direito o que aconteceu. Seis meses sem avanço, sem sono, sem paz, e Lucas já tinha esgotado as possibilidades a respeito do assunto.

Enquanto estava no Guarujá, ele aproveitou para seguir algumas pistas e juntou os relatórios a um dossiê que enviou ao seu parceiro, Garcia, para que ele desse continuidade na investigação. Ainda havia muita coisa em aberto, inconsistências e mentiras a apurar, mas Lucas não queria mais lidar com o passado. Ana havia dito que ele tinha muitas coisas mal resolvidas dentro de si, e ela estava certa.

Ele precisava seguir em frente.

Helena acabou convencendo-o de que ele deveria voltar para São Sebastião a fim de tentar acertar as coisas. Pensando nisso, ele pontuou várias decisões que precisava tomar nos próximos dias, assuntos relacionados à casa do condomínio, à terapia obrigatória, à sua volta ao trabalho e, e talvez, se tivesse coragem, poderia tentar conversar com Ana.

Lucas até estava animado em relação a isso, mas quando chegou à cidade, se acovardou. Não era certo procurá-la. Ele devia deixá-la livre para encontrar alguém mais equilibrado, sem um passado todo estragado, alguém que teria tempo para almoços de domingo, cinemas às quartas-feiras e surfe nos fins de semana, e talvez, depois de alguns anos, tivesse com ela alguma criança cheia de cachos que pudesse chamá-la de mamãe sereia enquanto tomavam sol à beira da praia.

Lucas não era esse cara. Nem perto disso. Ele já aceitara o fato, mas a falta que Ana fazia o deixava extremamente impaciente. A distância não ajudou em nada a aplacar seu desejo ou diminuir seus sentimentos, então não estava certo de que poderia se controlar se a encontrasse.

Ele precisava deixá-la em paz.

Determinado a manter distância, abriu a porta e, no instante em que adentrou o hall da casa, foi acometido por várias lembranças, mas pela primeira vez, elas não estavam estritamente relacionadas a Alice.

Depois de guardar as compras na geladeira, ele cruzou a cozinha para levar as roupas usadas até lavanderia e encontrou a camiseta que Ana usara na noite em que passara mal. Ele pescou a peça, aspirou o aroma, depois a guardou no fundo da mochila, junto com as duas calcinhas dela que ele propositalmente não devolvera.

Ele se sentiu um pouco ridículo, mas estava pouco se fodendo com isso.

Ao passar pela sala, a visão do sofá evocou a imagem de Ana abraçada àquela camiseta e, posteriormente, movendo-se sobre ele enquanto faziam amor. Um misto de ternura e desejo o envolveu em igual proporção.

Foi até o quarto e a cama o fez lembrar-se de Ana adormecida, tão vulnerável e sensibilizada devido à enxaqueca. Foi essa mesma visão que o fez assumir que estava apaixonado por ela, e agora, depois de tanto tempo sem vê-la, o sentimento permanecia igual, talvez até mais intenso do que antes.

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