40 - Alguma Coisa

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O trajeto de volta a São Sebastião foi marcado por profundo silêncio. Ana havia recusado por duas vezes as ligações em seu aparelho celular. A primeira tinha sido de Ricardo, enquanto ela e Lucas deixavam o cemitério; a segunda, de Pablo. Seu pai também havia ligado, mas ela o atendeu apenas para avisar que chegaria mais tarde. Em toda aquela confusão, ela tinha passado a noite fora sem avisá-lo.

Diferente da ida, Lucas dirigia agora em calma contemplativa. Ana já não notava mais o mesmo peso em seus ombros, nem o tremor na mão. O rosto não sustentava a mesma carranca, mesmo porque os óculos escuros estavam de volta, protegendo seus olhos da claridade e ocultando as olheiras marcadas.

Ele parecia cansado. Eles quase não haviam dormido na noite anterior, e a manhã foi bem angustiante, principalmente para ele. O dia seguinte seria feriado nacional, e ela se sentia aliviada por não ter que ir trabalhar. Sequer tinha conseguido pensar na questão, se voltaria ou não à Donatore.

Depois de aproximadamente duas horas de trajeto, ela puxou conversa apenas para espantar o sono. Ela queria falar sobre Alice e tudo o que descobrira, também queria saber como Lucas estava emocionalmente, mas ainda não tinha coragem de tocar nesse assunto, então resolveu falar de outra coisa.

– Lucas... por que você foi embora sem se despedir?

Lucas reduziu a velocidade e mudou de faixa, como quem quer protelar o momento da chegada. Ele sabia que precisavam conversar, mas não tinha nenhuma vontade. Ele só queria estar com ela, amá-la, e nada mais.

– Achei que quando você mandou aquela de "eu não consigo fazer isso" já era um adeus.

– Você não avisou, foi embora do nada...

– É sério isso?

Ana sabia que estava sendo ridícula, mas ainda estava magoada com o sumiço dele.

– É que... eu fiquei muito mal.

Lucas a observou mais uma vez, muito abatida e magra. Seu coração apertou.

– Eu quis te dar espaço. Na verdade, achei que a gente não ia mais se ver, entendi que era o que você queria.

– Não era o que eu queria. Nunca foi.

– Mas foi o que pareceu.

Mais alguns minutos de silêncio, e ela continuou:

– Você até desligou o telefone.

Lucas não respondeu. Não foi por isso que ele desligou. O número era provisório, e o aparelho, descartável. Era só um disfarce. Quando ele deixou a pousada, se desfez do acessório.

– Não foi por sua causa.

– Eu tentei falar com você, sabia? Várias vezes.

Ele não disse nada, só deu um longo suspiro e colocou a mão na coxa dela, profundamente chateado consigo mesmo e irritado com todo o resto. Ela insistiu:

– Me desculpe por ter dado a entender que eu queria que você fosse embora. Eu só precisava pensar um pouco... – ela murmurou, entristecida.

– Você está fazendo de novo. Pare de pedir desculpas, Ana! A culpa foi minha. É minha, sempre minha! Pare com isso, ok? – Lucas demonstrou a irritação na voz, e Ana se encolheu no banco.

Ela decidiu esperar para conversar mais tarde. Não queria que ele incorporasse de novo o Vin Diesel em Velozes e Furiosos. Ficou distraída com as lanternas dos carros, e o tédio voltou. Não mais do que 20 minutos depois, ela voltou a puxar assunto.

– Lucas... agora que a gente não tem mais segredos, como você soube que eu estava na casa do Ricardo, nas duas ocasiões?

– Eu estava no condomínio enquanto rolava a festa. Quando fui embora, vi você nas câmeras de segurança. Por incrível que pareça, foi realmente uma grande coincidência.

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