70 - Evidência

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Ana permaneceu internada na UTI. Os médicos decidiram mantê-la sedada para evitar o desconforto com o tubo respiratório, também estavam considerando seu estado emocional devido ao sequestro, às lesões, ao afogamento e à gestação, uma soma de elementos que acentuava os riscos num contexto físico, neurológico e psicológico.

Os amigos e policiais que aguardavam notícias foram embora, e Lucas ficou a noite toda no hospital. Antônio também permaneceu ali por boa parte da madrugada, mas teve que voltar para a pousada antes do amanhecer para cuidar dos hóspedes. Não havia muito o que fazer a não ser aguardar.

Na primeira hora da manhã, um médico acordou Lucas, que nem percebera que havia cochilado.

– Bom dia. Preciso passar uma atualização no quadro da paciente Ana Soares. Qual a sua relação com ela?

– Sou o companheiro dela. – Lucas respondeu depois de engolir em seco. A voz saiu rouca e esquisita, não foi convincente o suficiente, nem para si mesmo.

– Muito bem. Sinto informar que a situação se complicou um pouco, pois foi detectada uma lesão pulmonar ocasionada pela aspiração de água, e precisaremos administrar antibióticos de amplo espectro para conter uma pneumonia. Por este motivo, achamos melhor, para o conforto da paciente, mantê-la em coma induzido, assim será mais fácil monitorar suas funções vitais, bem como a do feto. Peço que você não fique alarmado, é algo que costuma acontecer com vítimas de afogamento, e o fato de isolarmos o problema a tempo nos permite intervir da forma adequada. Estamos fazendo de tudo para manter Ana e o feto em boas condições.

Lucas conhecia os riscos. Sabia que a recuperação de Ana seria complicada, principalmente pelo tempo que ela passara submersa. Saber não aliviava em nada sua angústia, era só mais uma notícia ruim em meio a tantas outras.

Ele suspirou e se concentrou nas últimas palavras do médico. Ainda não tinha se permitido pensar na gravidez de Ana. Todas as vezes que ele se lembrava do assunto, uma nuvem branca ocupava seus pensamentos, como se tudo não passasse de uma fantasia.

– É muito cedo para saber se... O bebê está bem? – ele perguntou, apreensivo.

– Com base nos exames iniciais, não há complicações imediatas. No entanto, é importante ressaltar que esses resultados são preliminares e não fornecem uma visão abrangente, ou seja, é um pouco cedo para dar um diagnóstico. Você é o pai?

Mais uma vez Lucas teve aquela sensação de um zumbido no ouvido. Com um nó na garganta, ele apenas assentiu, e o médico notou a sua angústia.

– Não fique tão preocupado agora, sim? O feto encontra-se viável, mesmo com o afogamento e os traumas que Ana sofreu antes de ser resgatada. Para obter uma avaliação mais precisa e abrangente, faremos uma ultrassonografia fetal. – O médico, preocupado com a aflição de Lucas, ponderou –Você gostaria de acompanhar o exame?

Lucas respirou fundo e aquiesceu, sentindo o peso das emoções que se debatiam dentro de si, um misto de angústia pela condição de Ana, medo diante da incerteza do futuro e a constatação de que, se ele não fora eficaz em cuidar dela, como poderia cuidar de um filho?

Novamente as palavras do Dr. Joaquim invadiram sua mente. As malditas palavras sobre coisas das quais não se tem controle, e se não dava pra ter controle de nada, pra que caralhos se planejar e se esforçar pra fazer melhor da próxima vez?

"Não venha falar de controle se você não conseguiu manter o pau dentro da calça! Agora vai reclamar que as coisas saíram do controle? Seja homem para assumir que atos trazem consequências, e atos sexuais trazem bebês, é o que é!"

Lucas decidiu riscar o Dr. Joaquim pelas próximas horas, porque lembrar da terapia só o estava deixando cada vez mais puto. Ele reconhecia, porém, a importância da própria estabilidade emocional para apoiar Ana, e temia não ter mais forças para se manter são e sóbrio se ela não se recuperasse. Ela era sua âncora e seu porto seguro; ele desejou profundamente poder ter sido o dela.

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