24 - Vácuo

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Ana sentiu o vácuo antes mesmo de abrir os olhos. O calor da noite anterior dera lugar a um resfriamento, e só por isso, Ana sabia que Lucas não estava mais ali. Esfregou os olhos sem ter ideia de que horas eram, e ficou aliviada por ser sábado, assim ela não precisaria sair para trabalhar.

Uma dor incômoda se projetou por atrás dos seus olhos, o presságio de uma enxaqueca muito provavelmente causada pela mistura de frituras e cerveja que ela havia ingerido na noite anterior. Desanimada, entrou no chuveiro na esperança de que a água quente adiasse o inevitável.

Ana tinha enxaquecas recorrentes desde a adolescência. As crises eram espaçadas, mas quando ocorriam, ela ficava completamente prostrada. Às vezes um banho quente e uma xícara de café ajudavam, mas havia ocasiões em que nenhum analgésico dava conta.

O café preto era a segunda etapa, então ela decidiu ir até a cozinha. No caminho, encontrou o pai na recepção conversando com um hóspede e o cumprimentou com um beijo no rosto.

– Bom dia, pai. Dormiu bem?

– Eu dormi. E você, chegou a dormir?

Ana sentiu o rubor subir ao rosto e desviou o olhar para cumprimentar o hóspede. Não queria ter essa conversa tão cedo com seu pai; sabia que era melhor deixar logo tudo às claras, mas não agora, então foi até a cozinha e se serviu de uma xícara de café.

A noite com Lucas ainda reverberava em seu corpo. Sua pele guardava a memória do toque dele, do cheiro, do calor... ela sentia um formigamento gostoso que chegava a deixá-la sem graça por parecer meio infantil, meio bobo.

Talvez gostar de alguém fosse algo bem idiota, mas ela não estava muito preocupada com isso. Não queria pensar no que tudo isso significava. Além dos gemidos infames, ela e Lucas não trocaram nenhuma palavra, nada além de fluidos durante a noite toda, então ela não sabia ao certo que tipo de relação eles tinham nem o que esperar.

Mas devia ser alguma coisa. Ela esperava que fosse, na verdade.

Ainda com a xícara de café em mãos, parou ao pé da escada e considerou subir até o quarto dele, mas seu pai a interrompeu.

– Ele não está.

Sabendo que não adiantava mais se fazer de boba perguntando "quem não está?", ela deu a volta e foi conversar com Antônio.

– Ele deixou algum recado?

– Saiu cedo sem dizer nada.

Um silêncio incômodo se instalou, e Ana foi a primeira a falar.

– Pai, eu e o Lucas estamos... nos conhecendo melhor.

– Hum.

– Tudo bem? – Ela sabia que parecia uma criança quando fazia isso, que era bobagem, mas sempre foi assim. Ela sempre quis saber o que Antônio pensava sobre tudo, ainda que muitas vezes não concordasse com ele.

– Eu sei que ele está, de fato, te conhecendo melhor. Só não sei o que você está fazendo para conhecê-lo melhor.

Mais uma vez, Ana se constrangeu.

– Você desaprova?

– Esse não é mais meu papel.

A vergonha deu lugar à frustração; ela o encarou e criou coragem para responder.

– E por acaso existe idade para receber conselhos, pai? Eu só estou tentando conversar!

– E você está disposta a ouvir? Porque se não estiver, não adianta vir me procurar. Mas se faz tanta questão, vou te dar só um conselho: vá atrás de saber quem ele é, faça as perguntas certas. Tenho certeza de que você não é ingênua a ponto de se meter com alguém sobre quem não sabe nada.

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