10 - Fotografia

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Depois daquele incidente, Lucas permaneceu no quarto pelo resto da tarde. Aproveitou para revisar suas anotações sobre o caso no qual vinha trabalhando nos últimos meses. Ter dormido tantas horas seguidas o ajudou a recuperar o sono atrasado e finalmente a se concentrar. Só agora percebia o quanto o isolamento estava lhe fazendo bem.

Não era bem o isolamento, no fundo sabia disso.

Com uma pasta cheia de documentos, recortes de jornal e várias fotografias que havia reunido, ele abriu as duas portas do guarda-roupas, removeu os cabides, e então, com fita adesiva, organizou as fotos e anotações colando-os no fundo do móvel, montando ali uma espécie de quadro de investigação criminal. Ao puxar um documento da mesa, um retrato caiu no chão e ele se curvou para recuperá-lo.

Alice.

Na imagem, ela parecia feliz. Estava ao lado do pai, uma mulher mais velha e um figurão do setor imobiliário. Alice sorria com a mão despretensiosa apoiada no braço do homem, como quem ria de uma piada. Lucas fez uma anotação para lembrar-se de investigar sobre ele mais tarde.

Olhando para o sorriso dela, pela primeira vez, percebeu que não parecia autêntico. Era um sorriso perfeito, de dentes brancos e simetricamente alinhados numa boca caprichosamente maquiada. Um lindo sorriso, mas um tanto quanto forçado. Não chegava perto da naturalidade e frescor do sorriso de Ana, e a comparação trouxe à mente a imagem da garota da pousada sorrindo debaixo da chuva. Seu corpo reagiu de pronto.

"Para de ficar viajando, idiota!"

Irritado, voltou a organizar os papéis e olhou com mais atenção para outra fotografia. Havia várias pessoas na imagem, e ele tinha investigado algumas delas na tentativa de fazer conexões com o evento da noite.

Alice estava particularmente feliz durante aquela festa. O evento em questão era para celebrar a inauguração de um complexo imobiliário de luxo na região nobre de Ubatuba; os convidados pareciam à vontade, e ele, como de costume, mantinha-se à parte de tudo.

Era difícil tirar Alice da letargia causada pelos antidepressivos, mas naquela noite, ela estava comunicativa e radiante. Ela dançara e conversara com várias pessoas, como há muito tempo não fazia. Mesmo eles tendo discutido feio naquela manhã, ela chegara a abraçá-lo e beijá-lo na frente de todos, como se estivesse tudo dentro da normalidade.

Encenação. Não havia normalidade entre eles, há muito tempo.

As brigas surgiram poucos meses depois do casamento, principalmente devido às ausências de Lucas durante as investigações. Primeiro vieram as conversas sem sentido de que ele tinha uma amante na delegacia, depois as queixas porque ele precisava trabalhar mesmo ela tendo dinheiro suficiente para sustentar a ambos.

Lucas gostava do que fazia e ganhava o suficiente. Nunca tinha precisado do dinheiro dela, não viveria às custas de ninguém, muito menos renunciaria ao que ele considerava sua missão de vida.

Durante as brigas, Alice o acusava de ser distante e egoísta, de não lhe dar valor nem atenção. Ele não se defendia nem se desculpava, mas tentava compensar as ausências de trabalho com gestos carinhosos sempre que estavam juntos, e com sexo, que no fim acabou se tornando uma rotina que ele seguia para evitar acusações infundadas de infidelidade.

Não que não a amasse mais. Ele amava Alice, mas a dependência emocional dela tornava tudo extremamente desgastante. Ela era ciumenta, possessiva e vingativa, fazendo o possível para afastá-lo de todos, inclusive da família, de quem ele sempre fora muito próximo. Cada vez que ele visitava a mãe ou encontrava um de seus irmãos, era um tormento interminável a ponto de ele questionar se a satisfação em os ver compensava o estresse das brigas.

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