44 - Filho

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Quando Lucas e Ana entraram pelo saguão da pousada, Antônio os recebeu com aparente preocupação; Lucas ficou em alerta. Não fazia ideia de como se portar ou reagir diante do homem pois, depois de deixar a pousada há um mês, não houve nenhum contato entre eles. A forma como Lucas havia feito o checkout e o clima pesado envolvendo sua partida o deixavam inseguro sobre o que esperar agora.

Antônio falou brevemente com Ana, que seguiu para o próprio quarto sem olhar para trás. Lucas ainda era uma pilha de nervos, então quando ficaram a sós no saguão e ele fez menção de partir, Antônio o surpreendeu chamando-o para uma conversa.

– Bom dia, Lucas. Como tem passado?

A pergunta foi feita sem julgamento ou sarcasmo, apenas com puro interesse. Lucas teria percebido a mudança, se não estivesse com o olhar fixo no corredor por onde Ana desaparecera.

– Eu vou bem, e você? – Trivialidades, pensou. Apenas um pouco de educação até que resolvesse invadir o corredor e derrubar a porta de Ana com um pontapé.

– Eu vou bem. Você tem um tempo, filho?

Quando Antônio usou a palavra "filho", Lucas sentiu um zumbido no ouvido, como se o homem tivesse gritado. Confuso, sentiu o coração palpitar e o suor brotar na fronte. "Que merda é essa? Não é hora para isso!"

Tentando disfarçar, Lucas apenas acenou positivamente. Antônio deu a volta no balcão e colocou a mão em seu ombro, conduzindo-o a um dos sofás da recepção. Lucas se esforçou para não arrancar a mão do homem de sobre si. Tinha um problema com toques não solicitados.

– Sabe, rapaz, eu tenho pensado muito em você nos últimos dias. Não sou muito de conversar, fico na minha, e às vezes sou meio chucro, mas por isso mesmo eu sou atento com as coisas.

Lucas olhava na direção de Antônio, mas através dele. Ainda tinha a mente confusa com a reação do corpo. Por dentro era como se tudo estivesse fora do lugar, como se Alice ainda estivesse viva, como se o seu próprio pai nunca tivesse levado um tiro na cabeça.

– Geralmente eu guardo minhas críticas para mim – Antônio continuou, alheio ao estado emocional de Lucas – mas em se tratando da Ana, acho que você precisa saber o que eu penso.

Quando ouviu o nome de Ana, Lucas focou nos olhos de Antônio pela primeira vez.

– O que tem a Ana?


– Desde que você chegou aqui, Lucas, a vida da minha filha virou de cabeça para baixo. – Lucas abriu a boca para argumentar, mas Antônio ergueu a mão, interrompendo-o. – Vi essa menina mudar de garota para mulher em poucos dias. Eu sempre quis o melhor para ela, nunca disse que ela deveria ficar aqui comigo na pousada ou coisa do tipo, mas ela não se movia. Quando você apareceu, ela começou a acordar para a vida, e isso me deixou feliz, apesar de te detestar. Ela arrumou um emprego à altura de suas capacidades e começou a aceitar que era uma mulher adulta, graças a você.

– Eu não fiz nada, é tudo mérito dela.

– Eu sei que é mérito dela, mas você fez parte do processo – Antônio suspirou e fez uma pausa, como quem estava escolhendo as palavras. – No começo, mesmo reconhecendo isso, eu claramente não gostei de você. Fiz minhas pesquisas e descobri quem você era, a sua história e a tragédia do seu casamento. Foi pensando nisso que comecei a imaginar que tipo de pessoa você seria, se um policial honesto ou corrupto, se um marido fiel ou infiel, e que bagagem você traria para a vida da Ana.

– E o que descobriu? – Lucas não estava nem um pouco confortável com a conversa. Sempre se achou uma péssima opção para Ana, contudo isso não o impediu de tentar. Na realidade, ele não achava que tinha mais escolha em relação a isso.

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