63 - Rarefeito

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Lucas quase não se lembrava de como chegara à DP tão rápido. Tudo se tornou um borrão difuso desde o momento em que entendeu que algo tinha acontecido com Ana, e depois que ouviu a mensagem de Alencar, ele simplesmente não pôde mais controlar o medo, e os malditos exercícios do Dr. Joaquim foram vaporizados para algum universo paralelo, inalcançáveis enquanto Lucas tentava a todo custo aspirar uma quantidade razoável de oxigênio ao mesmo tempo em que sua mão trêmula tentava, sem muito sucesso, mover o câmbio do carro.

Isso não era algo novo para Lucas, essa sensação opressora do pânico, quando o coração palpitava tão rápido que fazia a vista escurecer, uma dor peculiar acima da clavícula dava a impressão de que um infarto fulminante daria um fim rápido a tudo, e o ar ao redor se tornava rarefeito enquanto um suor frio e pegajoso evidenciava o desequilíbrio entre o corpo e a mente.

As crises de pânico o acompanharam na adolescência, estabilizaram quando se tornou adulto, e voltaram num nível moderado depois da morte de Alice. Contudo, no grau de intensidade similar ao desta noite, Lucas só se lembrava de duas ocasiões. A primeira foi quando tinha apenas oito anos, logo que o pai faleceu, e só pela tenra idade, era compreensível que ele tivesse perdido o controle sobre si mesmo. A segunda vez foi logo após o surto que o fez jogar um computador no chão da DP. Ele se lembrou de ter entrado no carro e ter ficado uns 40 minutos tentando estabilizar os batimentos cardíacos e a respiração.

Só que agora ele não tinha 40 minutos sobrando. Ana estava desaparecida e cada minuto era vital, e ele não conseguia puxar a porra do ar...

"20... 19... 18... 17... Inferno! Respira... 15... 14..."

Ainda com o peito ardendo pelo esforço, ele chegou à delegacia e invadiu o local como um tornado. Sem dirigir a palavra a ninguém e ignorando os olhares, inquisitivos ou especulativos, ele seguiu determinado até o escritório do delegado.

– Onde ela está? – Lucas tinha a voz alterada, um som entrecortado pela falta de ar. Alencar se levantou rapidamente da cadeira, deu a volta na mesa e se colocou diante de Lucas, cujo peito subia e descia e o suor escorria por suas têmporas.

– Russo, se acalma... Respira...

"... 9... 8... 7... 6... essa merda não tá funcionando..."

– Onde. Ela. Está? – Lucas elevou a voz significativamente. Alguns policiais olharam em direção à sala, curiosos. O delegado passou por Lucas, fechou a porta e as persianas.

– Russo, preciso que você fique calmo agora. Já estou sabendo e já estou tomando providências. O material que você mandou pelo celular, onde estão os originais?

– Por que ela? – Lucas tinha a voz embargada, mas já era possível notar uma certa estabilidade respiratória.

– Não sabemos ao certo o que houve, estamos investigando. O telefonema não partiu daqui, os supostos policiais que aparecem nas câmeras do hospital não são dessa unidade, provavelmente nem mesmo são policiais; estão tentando fazer o reconhecimento facial agora. Onde estão os originais, Russo?

– Não vai funcionar... Já devem ter adulterado as imagens. – Lucas seguiu falando como se Alencar não tivesse pedido nada – como posso confiar em você? Esse lugar está imundo... Como pude confiar em qualquer um de vocês...? – Lucas caminhava de um lado pro outro, com as mãos na cabeça como quem queria arrancar algo lá de dentro com as unhas.

Alencar ficou ansioso. Lucas sempre foi um agente muito precioso para o delegado, pelo comportamento exemplar, por ser de confiança e pelo comprometimento. Quando Alice desapareceu, Alencar não pôde agir da forma que gostaria, não por estar de rabo preso, mas porque tivera que cumprir as ordens e orientações do Delegado Geral e da Corregedoria Geral.

Foi muito difícil ver Lucas se transformando de investigador focado e talentoso em agente desequilibrado e instável. Lucas foi perdendo aos poucos a credibilidade, e o próprio delegado se sentia responsável por ter permitido que a confiança do rapaz fosse garimpada dia após dia pelas dúvidas e, só agora ele assumia, pelo trabalho contrário de policiais corruptos dentro da unidade.

– Russo... Lucas, olha para mim – Alencar se aproximou, cauteloso, e o segurou pelos ombros – eu sei que você não tem motivos para confiar em ninguém aqui dentro, e também sei que pisei na bola com você. Eu devia ter levado a sério tudo o que você disse na época, mas eu fiquei travado, você não falava coisa com coisa, o Dr. Joaquim laudou você, e a corregedoria ficou no meu pé para te afastar. Eu fiquei de mãos atadas e tudo já estava basicamente resolvido, caso encerrado e eu com uma montanha de papelada para organizar e casos para investigar, e você não facilitou em nada!

– Eu fiquei isolado, Alencar! Me trataram como se eu fosse um maluco doente! Um mentiroso conspirador! – Alencar pôde jurar que viu lágrimas nos olhos de Lucas, mas sua expressão era tão dura que chegava a dar medo.

– Exatamente por esse motivo você precisa manter a calma agora! Você está por um triz de perder tudo! Pensa comigo, você acabou de voltar, ainda está reconstruindo a confiança, mesmo que todos queiram que você supere, cometa apenas um deslize e você estará fora!

– Eu já perdi tudo, Alencar. Não tenho mais nada a perder. Se eu não a encontrar nas próximas 24 horas, aí sim, todo mundo sairá perdendo.

Com isso, Lucas deixou a sala do delegado e foi até a perícia, onde Lívia estava trabalhando.

– Se puder, veja se encontra digitais nisso. – Ele jogou o envelope com as fotografias sobre a mesa dela, e se virou para sair.

– Lucas... – Ela o chamou com um sussurro – nem todos estão sujos. Se acalma e bota a cabeça no lugar. Estamos aqui para ajudar você... – Então, ela empurrou um cartão de memória por cima da mesa.

– Onde vocês todos estavam há sete meses? Quem se mexeu para ouvir o que eu tinha a dizer quando fui botado para fora como um incapaz? Agora é tarde, Lívia.

Mesmo contrariado, Lucas guardou o cartão no bolso. Ficou irritado com o tom de drama que usou para falar com o delegado e com Lívia, tudo dando a entender que ele não sabia o que estava fazendo.

Ok, ele não sabia mesmo. Ainda não tinha reorganizado os pensamentos, mas já tinha uma ideia de onde precisava ir, com quem falar e a quem ameaçar para obter informações.

Já era tarde, e como sabia que não conseguiria dormir, dirigiu até a pousada. Quando chegou, percebeu que não teria coragem de entrar. Não podia encarar Antônio agora, porque o homem ia perguntar sobre Ana, e Lucas não tinha respostas a dar.

Exausto, ele dirigiu até a praia, desceu do carro e ficou no calçadão, pensando, organizando a mente e buscando o equilíbrio emocional. Depois de horas parado ali, já sabia mais ou menos o que precisava fazer, só tinha que esperar pelo amanhecer.

MaresiaOnde histórias criam vida. Descubra agora