76 - Quarta-feira

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Quarta-feira, 12 de maio.

Primeiro veio a pontada, depois o enjoo. Alice abriu os olhos vagarosamente e se deparou com o teto da cabine do barco. Tinha bebido muito, e sem se alimentar.

Ela alcançou os óculos escuros antes de subir ao convés para procurar algo na bolsa térmica. Não tinha muita noção das horas, mas Garcia já estava no leme, navegando em baixa velocidade. Ela especulou sobre o quanto faltaria para que chegassem ao destino.

– Bom dia, como está? Tudo bem com a rota?

– Eu estou navegando em zigue-zague. Preciso ganhar tempo.

Alice pensou em argumentar, mas desistiu. Certamente ele sabia o que estava fazendo. Enquanto navegavam, ela se posicionou ao lado dele, e notou que ele parecia tenso. Preocupada, tentou puxar conversa.

– Garcia, por que decidiu me ajudar?

Ele ficou em silêncio e deu de ombros.

– É sério, – ela insistiu – me diz, por que quis entrar nessa loucura comigo?

– Porque era o certo, talvez?

– Talvez?

Ele riu baixo, e Alice sentiu um arrepio estranho com o jeito que ele fez isso.

– Tem mais algum motivo?

Alice estava acostumada ao mundo dos interesses. Tudo sempre tinha um preço, ela não era idiota e já sabia como funcionava. Cedo ou tarde, alguém voltava pra cobrar, e ela conhecia a polícia bem o suficiente pra saber que eles eram campeões nesse quesito.

– Olhe só para você...

Ela ficou cabreira com o jeito dele.

– O que tem eu?

– Você... é perfeita, Alice. Eu olho para você desde que apareceu na delegacia pela primeira vez.

Então ela ficou apreensiva. Isso não lhe parecia nada conveniente.

– Que é isso, Garcia? Você não deveria me falar essas coisas.

– Por que não? É verdade. E Russo foi um puta de um sortudo.

O sarcasmo de Garcia deixou Alice irritada.

– Eu não entendo esse seu jeito de falar. Você e Lucas não são amigos?

– Se você vê assim...

– Não, espera... – Alice se deteve, os alertas começando a soar em sua mente. – Lucas sempre me disse que você era de confiança!

– Alice, o que Lucas pensa sobre mim está baseado no fato de ele acreditar que eu sou um bom policial. E você, mais do que ninguém, sabe que não é verdade. Se Lucas sequer desconfiasse do que eu faço, ele já teria me entregado pra corregedoria, independente do tempo que a gente se conhece.

– Mas... Ele fala tão bem de você! Eu acreditei que eram amigos. Acha que ele trairia um amigo?

– Amigos? Não exatamente. Eu e ele não temos nada a ver um com o outro. As coisas não foram fáceis para mim como são para ele.

– O que quer dizer?

– Olha pra ele! O cara tem tudo o que quer! Na delegacia, todo mundo gosta dele, Alencar acha que ele é o melhor investigador, graças a você ele não precisa se preocupar com dinheiro, e ainda por cima ele tem você!

– Qual é a tua, Garcia? Que comentário invejoso é esse? Lucas conquista o que quer, não recebe as coisas de mão beijada...

Você foi de mão beijada...

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