68 - Suspenso

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Alencar vinha conversando com Lucas durante o voo até o heliporto do hospital, mas ele não escutava nada. Dessa vez, o delegado não perguntava se Lucas estava bem, apenas procurava tranquilizá-lo como podia. Pelo rádio, se comunicava com o Resgate, que havia confirmado o afogamento de Ana e a lesão de entrada sem saída no ombro de Diego.

QRU: não quero saber do homem, quero saber da moça! – Alencar insistia com a equipe de resgate.

QAP: estamos realizando as manobras de RCP agora, ela segue desacordada, estamos fazendo tudo ao nosso alcance. QRV.

Essa parte Lucas escutou. O som da voz misturada à estática o fez se conectar brevemente com o momento, e só então ele percebeu que suas mãos tremiam sem controle ainda que estivesse envolto em uma manta térmica. O silêncio no rádio tornava o som das hélices altos novamente, extremamente incômodos, ainda que ele estivesse com os abafadores nos ouvidos.

Lucas se sentia suspenso, e não era porque estava em pleno voo. De alguma forma ele se mantinha isolado de tudo ao redor e se concentrava em um único ponto, um fio invisível que conectava sua existência à de Ana. Seu hiperfoco estava nela agora, e ele teve certeza de que saberia se algo desse errado, se esse fio de prata se rompesse para sempre.

O esforço em manter-se firme fazia com que sua cabeça ficasse pesada e dolorida, e ao mesmo tempo, o seu corpo refletia a angústia pela tentativa de se manter otimista na espera por uma boa notícia. Percebia que Alencar mantinha a mão em seu ombro, e o gesto tão simplório sustentava seu fiapo de sanidade.

Longos minutos se passaram, minutos que mais pareceram horas, até que finalmente um interlocutor chamou pelo rádio.

– Alfa Bravo 328, QAP? Conseguimos pulso! Ana expeliu a água, mas a saturação está muito baixa. Só saberemos a extensão dos danos quando chegarmos ao hospital...

A mão em seu ombro tremulou e apertou, demonstrando que Alencar também estava apreensivo. Havia sido muito tempo dentro da água, muitos minutos sem respirar, e nenhum dos dois era idiota a ponto de ignorar a possibilidade, uma gigantesca possibilidade, de que Ana não sobrevivesse, e se sobrevivesse, talvez não o seria de forma plena.

– Ela vai ficar bem, Russo...

Quando enfim desembarcaram no hospital, Ana já estava a caminho da UTI. Na sala de espera, Alencar mantinha Lucas próximo e, aos poucos, buscava animá-lo, mas Lucas não percebia isso dessa maneira. Para ele, seria bem melhor se ninguém estivesse ali, testemunhando seu temor e sua infâmia. Ele não queria ser alvo de sentimentos idiotas como compreensão, apoio ou afabilidade, porque ele não merecia nenhuma dessas coisas.

Uma enfermeira o livrou momentaneamente da atenção de Alencar quando o conduziu a uma enfermaria onde ele teve os sinais vitais aferidos, e Lívia surgiu ao seu lado com um conjunto de moletom da Acadepol para que ele pudesse se trocar.

– Eu não preciso de nada disso, não sou eu quem precisa de cuidados. Parem de me tratar como um coitado!

Lívia não se deixou abater pela rispidez, apenas entregou o agasalho para Lucas e saiu sem dizer nada. Em algum momento, mesmo irritado, Lucas acabou trocando de roupa porque a farda molhada lhe tolhia os movimentos, e ele não conseguia permanecer parado.

Já trocado, voltou à sala de espera e viu Larissa e Carla. Ele se perguntou quem as teria avisado sobre Ana, mas logo se esqueceu do assunto. Através de fragmentos de conversas que furaram sua bolha e penetraram-lhe a consciência, ficou sabendo que Diego estava internado numa ala segura, e lamentou profundamente ter falhado novamente.

Ele concluiu ser tão incapaz e inútil que a única vez em que acionara um gatilho com o intuito de matar, matar de verdade, ele falhara na missão. O sentimento era tão amargo que ele não conseguia diferenciar o que era pior: não ter cumprido o intento, ou ter desejado cumpri-lo.

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