Prólogo

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Ele sentia a areia fria sob os pés descalços. O som das ondas parecia um zumbido distante e constante. Havia sangue na ponta dos seus dedos, e ele não estava certo de onde vinha ou de quem era, só sabia que não podia ser do corpo da mulher que jazia num ângulo estranho e anormal, estendido sobre a parte molhada da areia.

O vestido elegante e cravejado de minúsculas pedras, cuja maioria se perdera em meio às ondas, já não carregava mais o luxo de outrora. Os pés estavam descalços, a lua cheia fazia a pele clara reluzir num tom esverdeado, e os longos cabelos se esparramavam como uma cascata escura e emaranhada, cujas pontas se moviam com o vaivém da água salgada.

Com a ponta dos dedos, ele removeu uma mecha dos cabelos negros de sobre o rosto imóvel, revelando os lábios sujos de areia e os olhos opacos, vidrados, abertos e sem reflexo; então lhe capturou a mão esquerda, cujo esmalte vermelho que antes cobria as unhas perfeitamente manicuradas estava descascado. No anelar, uma aliança com uma única pedra de diamante incrustada.

"Alice."

– Russo... Eu sinto muito. Você está bem?

O Investigador de Polícia Lucas Russo não reconheceu de pronto a voz que fazia a pergunta. Sabia que era de um homem, mas no momento, não conseguia encontrar a referência exata em meio ao caos dos pensamentos. Na verdade, ele não se lembrava de nada desde a hora em que recebera a mensagem até este exato momento. Não entendia por que estava descalço, nem o motivo de sua mão estar esfolada e sangrando.

Confuso, estendeu as duas mãos à frente do corpo e moveu os dedos. Embora a direita estivesse machucada, a esquerda estava ilesa, e a aliança, idêntica à do corpo devolvido pelo mar, começava a trazê-lo de volta, aos poucos, para a realidade.

– Não quebrei nenhum dedo... – Lucas respondeu, mais para si mesmo. A memória de ter socado alguma parede aleatória surgiu como se fosse uma cena vista de fora, só que a dor era real, e ele não estava pensando na mão, e sim no peito, onde um vazio pairava em meio a uma névoa escura que ele não conseguia discernir ou dissipar. E doía, como se tivesse sido rasgado por pedras pontiagudas.

– Não é da sua mão que estou falando, Russo. Quero saber como você está.

A voz, agora vagamente familiar, insistia nas perguntas sem sentido. Que tipo de pergunta era aquela? Se ele estava bem? Como ele estava? Quem pergunta esse tipo de coisa numa hora dessas? Voltando o olhar para o corpo de sua esposa, Lucas ficou de pé, só então dando mais atenção às marcas roxas nos braços e no rosto da mulher.

– Talvez as lesões tenham ocorrido por causa do afogamento, por ela ter se debatido e esbarrado em pedras ou corais, ou pode ter sido por outro motivo... – Em negação, Lucas falava do que via como se fosse a respeito de uma outra vítima, a esposa de outra pessoa, numa tentativa vã de escapar da realidade funesta. Todavia ele sabia que não importava muito. Alice estava morta, e ele não poderia cuidar disso, porque não permitiriam que ele investigasse.

– Russo...

– O que é? – Ele grunhiu e manobrou o corpo para, finalmente, encarar o homem das perguntas sem noção.

Um pouco mais velho, cabelos grisalhos, bigode torto, olhos pálidos e uma barriga um pouco proeminente demais para a função que desempenhava. Claro, o homem no comando, Delegado Alencar.

– Eu sinto muito, Lucas... o que posso fazer por você?

Alencar às vezes usava o primeiro nome de Lucas. Ele era o único que fazia isso na Delegacia de Polícia. Talvez por ser mais velho, tinha um jeito meio paternal de lidar com Lucas, o que às vezes o irritava um pouco.

– Você pode me deixar em paz, Alencar.

Lucas levantou os olhos para o céu. A Lua estava agora parcialmente escondida pelas nuvens. Uma tempestade se aproximava, e ele notava pelo mar revolto que seria intensa. O mar, por sua vez, refletia seu coração, com uma fúria latente que se recusava a explodir.

Era só uma questão de tempo. Ele voltaria, e entenderia tudo.

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