6 - Deslizando

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Confiante, Ana olhava fixamente nos olhos de Lucas. Ele a encarava de volta, as sobrancelhas quase unidas pela carranca de incômodo por causa da luz e do sal, o cabelo espalhado em mechas, pingando ao redor do rosto e do pescoço. Por um instante, ela quase se esqueceu do porquê estava ali.

– Não se preocupe, Lucas. Vou te mostrar novamente, passo a passo. Primeiro, é importante que você pense que você e a prancha são uma coisa só.

Lucas estava sentado na prancha, assim como ela. Estavam bem próximos um do outro dentro da água. Ele já tinha feito algumas tentativas de ficar em pé na prancha, sem muito sucesso. Agora, ambos buscavam recuperar o fôlego entre uma tentativa e outra, e pela primeira vez na vida, ele não se sentia tão mal por não conseguir fazer alguma coisa. Isso porque o processo todo o estava divertindo de um jeito totalmente novo. Embora ele tivesse tomado vários tombos e pego uma onda ainda deitado por uns três segundos, cada vez que conseguia ficar sobre a prancha por um instante a mais, a sensação o deixava ansioso pela próxima tentativa.

– Ok, eu sou a prancha. E agora?

Ele tinha realmente comprado a prancha. Dois dias depois de ter insistido com Ana para ensiná-lo, ele terminou de convencê-la quando chegou na recepção com a prancha debaixo do braço. "Agora você vai ter que me dar motivos para ter comprado isso."

Subitamente, ele se lembrou da expressão boba dela, encarando-o com um meio sorriso confuso. Um sorriso que obviamente o encantou e o fez sentir coisas no corpo que achou por bem ignorar e enterrar.

– Certo, agora, mais uma vez, comece a remar. Está vendo aquela curva na onda que se aproxima? O brilho no topo? Ela vai quebrar bem perto de nós, então, preste muita atenção nessa distância e reme em direção a ela.

Lucas se moveu, concentrado. Os músculos do braço ardiam pelo esforço repetitivo, mas a sensação era boa, chegava a ser libertadora.

– Agora? – Ele gritou por cima do ruído do mar. Ana remava ao lado dele.

– Quase lá. Mantenha os braços retos e reme com mais força. Isso mesmo!

Lucas se esforçava, os olhos e o nariz ardiam, mas ele ignorava o desconforto, pois seu corpo todo estava voltado para um único objetivo: deslizar sobre a água.

– Perfeito, Lucas! Agora, quando a onda se aproximar, vou te falar o momento de pegá-la. Preste atenção em mim e lembre-se de remar rápido.

– Eu estou pronto!

– Espera... espera... agora! Rema, Lucas, rema!

Lucas remou com força até sentir a prancha se curvar e subir acompanhando o movimento da onda.

– Isso aí, Lucas! Agora, tente ficar em pé na prancha. Flexione os joelhos, isso! Mantenha o equilíbrio!

Lucas tentou se equilibrar, movendo os braços.

– Isso! Não desista, Lucas! Balance o corpo e mantenha o olhar para a frente.

– Eu consegui! Eu estou de pé na prancha!

– Incrível, Lucas! Agora, balance os braços para manter o equilíbrio!

Lucas se concentrou, mas depois de um instante, a prancha virou, e ele afundou no mar. Ana riu quando ele emergiu com a cara emburrada.

– Você ri, não é? É muito mais difícil do que parece!

– Eu sei como parece, Lucas. Fique em paz, você foi ótimo!

Eles começaram a retornar para a faixa de areia, ofegantes. Lucas sentia o corpo leve e a mente vazia. O som das ondas, o calor do sol, tudo contribuía para um bem-estar generalizado, e ele se sentiu grato por Ana estar ali.

– Você é muito divertida, sabia?

Ana se virou para ele e, caminhando de costas, salpicou água em sua direção. Ele devolveu o gesto e ela tentou se esquivar; nesse momento, pisou num desnível da areia na parte rasa da praia e perdeu o equilíbrio. Por puro reflexo, Lucas correu para segurá-la, pois ela estava tombando por cima da prancha.

Ela sentiu os braços em volta de si, suspendendo-a no ar. O gesto ágil durou um instante, e de repente, ela estava dentro dos braços dele enquanto as pranchas eram levadas para a beira da água por uma onda pequena.

Os seios dela estavam pressionados contra o peito dele, e os rostos a um palmo de distância. Ele sentiu o corpo todo enrijecer, e no momento deu graças a Deus por não estar usando uma wetsuit, apenas uma camisa térmica e uma bermuda convenientemente larga.

Ela, por outro lado, lamentava o fato de ter tanto tecido emborrachado entre eles. A situação a fez especular como os super-heróis faziam para transar. "Super-heróis não existem, muito menos transam, sua burra!"

Hesitante, Lucas acabou soltando-a, e ambos lamentaram a falta do contato.

– Obrigada...

Ele não respondeu, e constrangidos pelo momento, permaneceram quietos. Ambos recuperaram as pranchas e se sentaram na areia, disfarçando a inibição e apreciando o ruído das ondas que aos poucos ia sendo quebrado pelo som de crianças correndo ao redor.

Ana olhou em volta; algumas famílias se acomodavam sob guarda-sóis. Especulou que devia ser mais de 9h da manhã, por isso o movimento ia aumentando aos poucos com pessoas que preferiam o melhor horário do sol. Uma garotinha de cabelos cacheados com não mais do que dois anos de idade se aproximou e tocou sua roupa preta.

Sheiêia.

– O quê? – Ana perguntou, sorrindo.

– "Sereia" – Lucas respondeu, abstraído.

A mãe da criança se aproximou e pegou a menina pela mão, lançando um sorriso a Ana, que retribuiu amplamente.

– Não sabia que você falava "bebeiês" – Ana comentou, curiosa.

– Tenho sobrinhos.

Ela ficou observando-o, deitado na areia com a cabeça apoiada nos braços cruzados à nuca. Os olhos estavam fechados enquanto ele apreciava o calor do sol no rosto que finalmente perdera um pouco da palidez. Sentiu vontade de fazer perguntas a ele, de conhecê-lo melhor, talvez arrancar mais do que uma frase daquela boca sempre tão séria, mas, como ele parecia relaxado pela primeira vez em tantos dias, acabou mantendo o silêncio.

Já passava das 10h da manhã quando eles resolveram retornar à pousada sob o mesmo silêncio, cada qual em seu próprio mundo, que aos poucos tornava-se cada vez mais impregnado com a presença do outro.

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