9 - Invasão de Privacidade

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Quando Lucas entrou na pousada, encharcado e acabrunhado, Antônio nem se deu ao trabalho de levantar os olhos dos papéis espalhados sobre o balcão. Lucas deu graças a Deus por isso. O homem lhe estendeu a chave do quarto, e ele praticamente correu até a suíte. Ao fechar a porta, seu corpo sentiu o cansaço da caminhada e o peso das tentativas de controlar as emoções, então tirou as roupas molhadas na porta e se jogou nu sobre a cama. Adormeceu quase que instantaneamente.

Após o almoço, Ana assumiu a recepção no lugar de Antônio, pois este tinha alguns serviços bancários para realizar. Ela mantinha o olhar voltado para as escadas, pensando em como se comportar quando Lucas aparecesse por ali, e se pegou imaginando inúmeras situações e diálogos hipotéticos, um mais constrangedor que o outro.

A tarde foi avançando, e perto das 15h, ela se encontrava sonolenta por não ter voltado a dormir depois que chegara da caminhada. Não que não tivesse tentado, simplesmente não conseguira parar de pensar em Lucas e no beijo.

A mente dela vagava indolente, pensando no hóspede taciturno e em como a tensão entre eles foi se instalando aos poucos, motivada pela curiosidade e amplificada quando resolveram surfar juntos. Ana entendeu isso bem rápido, só não sabia que era algo tão... intenso, muito menos que Lucas se sentia como ela em algum grau.

Tentando esquecer o assunto e para espantar o sono, resolveu organizar a papelada espalhada pelo balcão, e foi quando se deparou com a ficha dele, muito mal preenchida, por sinal. Ela nem sabia por que não notara que não havia data de nascimento, só dia e mês, e faltavam vários "xis" nas perguntas básicas, como estado civil, profissão e endereço. Havia algo escrito no endereço, mas era impossível de ler. E ele ainda não tinha dito quanto tempo pretendia ficar.

Que sujeito mais esquivo! E que cabeça mais distraída, a dela! Se Antônio pegasse essa ficha, iria reclamar com ela, com toda a razão. Intrigada, pegou o interfone e ligou para a suíte 7. Claramente, não iria assumir que era apenas uma desculpa esfarrapada para falar com Lucas.

O interfone tocou sem parar até cair. Ela checou o quadro de chaves e viu que a da respectiva suíte não estava entre as demais. Teria ele saído com a chave? Curiosa, subiu as escadas, parou em frente à porta do quarto e bateu algumas vezes.

Nada.

Decidiu voltar para a recepção e interfonar novamente. Talvez ele estivesse tomando banho, pensou ela. Meia hora se passou, e Antônio apareceu na recepção.

– O hóspede da suíte 7 saiu hoje de manhã? – Ela foi logo perguntando

– Não durante o meu turno. Por quê?

Ela não respondeu. Inquieta, subiu e bateu novamente na porta várias vezes até que, mesmo indecisa, resolveu usar a chave mestra. Abriu a porta lentamente e entrou em silêncio.

Primeiro, ela se deparou com uma pilha de roupas úmidas no chão, então olhou para a cama e viu um belo par de... nádegas desnudas. Seu coração quase saiu pela boca. Deu a volta para sair correndo antes de ser notada, mas ouviu um ronco grave e compassado. "Ele está dormindo... e deve ser surdo!"


A curiosidade foi mais forte que a prudência, então ela se aproximou cuidadosamente da cama, sabendo estar quebrando um milhão de regras profissionais, éticas e morais. Seus olhos percorreram o corpo estendido, começando pelos pés, subindo pelas pernas peludas e musculosas, e parando um pouco mais de tempo nos glúteos. "Que bela bunda!"

Mais uma vez, ela ficou fascinada com o físico dele. Mesmo magro, sua estrutura era excelente, um corpo firme e definido não só de quem malhava, mas de alguém bem ativo. Ela continuou a inspeção nas costas, subiu pela curva do pescoço, passou pelos ombros largos e chegou ao lindo rosto, onde podia-se ver leves linhas de expressão entre os olhos fechados. "Quem dorme com a cara emburrada?"

Ana correu os olhos pelos cabelos despenteados que a faziam ter vontade de ajeitá-los com os dedos, foi descendo pelo pescoço e costas, quando notou uma cicatriz, do tamanho de uma moeda, no ombro esquerdo. Também percebeu que ele tinha uma tatuagem no braço direito, uma frase que dava a volta no bíceps, como um cordão.

Ela não tinha reparado na tatuagem antes. Também, depois que ele tirou os óculos, ela não conseguiu mais desviar o olhar dos olhos verdes fascinantes, e quando ele tirou a camisa e ela pôde ver o abdômen e os pelos que cobriam a barriga e iam descendo até mais embaixo...

Ela achou uma pena que ele não estivesse virado de barriga para cima agora.

Divertida com o próprio pensamento, inclinou-se sobre ele na tentativa de ler o que estava escrito na tatuagem.

– Está gostando da visão?

A voz grave e sonolenta a fez dar um salto para trás, esbarrando no abajur que foi ao chão num baque seco.

– Merda, quero dizer, me desculpe... ai, que vergonha! Me desculpe, por favor... eu não pretendia acordar você...

Lucas continuou deitado de bruços. Não queria que ela testemunhasse seu estado... íntimo.

– Me desculpe, de verdade! Eu já vou sair... – Ana foi se afastando, sem levantar os olhos para ele.

Lucas cruzou os braços sob o travesseiro e sorriu enquanto via ela se afastando. Tinha acordado com uma sensação estranha de estar sendo observado e, ao abrir os olhos, a encontrara ao lado da cama, debruçada sobre seu corpo, o observando avidamente com a boca entreaberta.

Sabe aqueles sonhos de quinta-série?

– Você faz muito isso, não é? – Ele sussurrou, a voz saiu enrouquecida pelo sono e por algo mais que lhe apertava a garganta.

Ela já estava na porta, mas respondeu sem olhar para trás.

– Juro que nunca fiz isso. Sério. Eu nunca entrei num quarto sem permissão ou com o intuito de incomodar os hóspedes. Eu pensei que você não estava no quarto. Me desculpe por ser inconveniente...

– Estou falando de pedir desculpas. Está novamente se desculpando.

– Ah... – Ela se calou e, sem mais palavras, saiu fechando a porta atrás de si.

Ainda sorrindo, Lucas se levantou e foi em direção ao banheiro. Não ficou irritado com a situação, absolutamente. A reação dela foi desajeitada e ele percebeu que, assim como ele, ela também não fazia ideia do que estava acontecendo entre eles.

Já no chuveiro, fechou a água quente na esperança de que a ducha fria acalmasse seu corpo ainda excitado. Talvez tivesse que adiar a decisão de procurar outra pousada, afinal, se fizesse isso agora, ela se sentiria mal pela invasão, e ele não a queria constranger com isso.

Ele não queria que ela se sentisse chateada com a situação.

Ela podia pensar que ele estava bravo, e isso seria ruim.

Se ele continuasse repetindo essas coisas para si mesmo, talvez uma hora se convencesse de que esse era o real motivo.

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