Prólogo

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Miguel

Muitos anos atrás

Tijuana, México

Hoje é um dia como todos os outros: quente, muito quente. Em Tijuana, faz calor quase todos os dias do ano. O verão é a nossa única estação.

Chego da escola e abro a porta de casa, empolgado. Finalmente recebi meu boletim e sei que mamãe ficará orgulhosa. Ela sonha que eu seja médico, e para isso, devo ser estudioso e tirar notas boas. Já papai não liga muito, ele quer que eu seja forte para assumir seu lugar. Mesmo que eu não entenda muito bem o que ele quer dizer com isso.

Eu não sei exatamente o que meu pai faz, mas sei que não é um homem bom. Vejo-o junto de seus homens, sempre armado. Mamãe não gosta disso, ela sempre faz careta quando papai coloca a arma em cima da mesa de jantar ou na mesinha de cabeceira do quarto deles. Mas ela nunca reclama, parece que tem medo dele. Eu também tenho.

Papai é muito bravo, sempre anda com uma carranca no rosto. Tenho medo de desapontá-lo.

Subo as escadas correndo em direção ao quarto deles, porque quero que minha mãe veja minhas notas e fique orgulhosa de mim. Assim que paro em frente à porta, estranho o silêncio. Sempre que chego da escola e vou falar com meus pais, eles estão brigando, gritando um com o outro ou conversando baixinho. Mas dessa vez, há um silêncio mortal, algo completamente desconhecido para mim.

Empurro a porta devagar, com um certo receio do que irei encontrar dentro do quarto. Respiro fundo, termino de abrir e entro de uma vez. Meu coração para.

A primeira coisa que vejo é mamãe caída no chão. Ela está imóvel e seu rosto está pálido. A poça de sangue ao redor do seu corpo me deixa enjoado, mas o que mais me choca é um ferimento de tiro em seu coração.

Me aproximo com lágrimas nos olhos, lágrimas que eu nem sabia que estavam escorrendo. Me ajoelho próximo a ela e tento chacoalhar seu corpo, com esperança de que ainda esteja viva e que tudo não passe de um pesadelo. No entanto, a verdade está ali, crua diante dos meus olhos.

- Mamãe... - Um sussurro sofrido sai da minha boca.

De repente, levanto meu olhar à procura do meu pai. Ele não está no quarto. Saio correndo pela casa, procurando-o em todos os lugares. Cozinha, banheiro, sala. Só me resta um único lugar, um lugar que nunca me permitiram entrar: o escritório.

Sempre tive curiosidade de entrar nesse cômodo em específico. Tem algo de misterioso nele que me deixa com ainda mais vontade de explorá-lo, mas nunca tive coragem. Papai dizia que eu estava terminantemente proibido de pisar neste lugar, mas agora é uma questão de vida ou morte.

Abro a porta sem esperar mais nenhum segundo e entro.

A imagem do meu pai sentado sobre a cadeira, com a cabeça sobre a mesa, me deixa com esperança de que ele ainda esteja vivo. No entanto, à medida que me aproximo, percebo que seu corpo está imóvel como o de mamãe, e seu rosto está branco, sem vida. Em sua mão direita, está uma arma.

Sei que essa arma é dele por conta do cabo dourado, é uma pistola Beretta nove milímetros. Meu pai dizia que somente os líderes das gangues usavam o cabo de ouro, era isso que os diferenciava dos outros. Ele também dizia que um dia essa pistola seria minha.

Agora papai está aqui, deitado sobre a mesa, com um tiro na cabeça...

Estou sentado na calçada em frente à minha casa quando vejo o Lowrider La Guera de sessenta e quatro chegar

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Estou sentado na calçada em frente à minha casa quando vejo o Lowrider La Guera de sessenta e quatro chegar. O carro para e meu tio, Germán, sai de dentro dele. Seu semblante está sério e sombrio como sempre, mas há algo de diferente. Há um leve ar de tristeza em seu olhar.

- Tio. - Corro em sua direção e o abraço.

- Calma, niño*. - Sua voz rouca e seu cheiro de cigarro me confortam. É o mais próximo que tenho de família no momento.

- Meus pais morreram... - Solto um soluço involuntário.

Meu tio me abraça de volta com força enquanto eu choro em seus braços.

- Sinto muito, niño. - Ele parece tão triste quanto eu, afinal perdeu seu irmão. Diferente do meu pai, tio Germán nunca quis fazer parte da gangue diretamente.

Aos poucos, meus soluços cessam e consigo me acalmar um pouco. Meu tio sempre foi muito próximo do meu pai, os dois eram melhores amigos. Ele também ajudou a me criar e sempre me tratou como filho.

- O que aconteceu, tio? - Pergunto, tentando entender o acontecido. - Estão dizendo que papai matou a mamãe e depois se matou. É verdade?

- Não acredite nisso, são mentiras. Juan Pablo nunca faria algo assim. Ele podia ser um cabrón* muitas vezes, mas amava Ella e nunca a mataria. - Meu tio diz raivoso.

- Mas então...

- Ainda não sabemos, niño, mas vamos descobrir e pegar os filhos da puta que fizeram isso. - Ele se ajoelha e fica cara a cara comigo. - Você precisa ser forte, Miguel. Los Santos precisam de você.

Seco minhas lágrimas e estufo meu peito. Eu não vou descansar até vingar a morte dos meus pais. Vou honrar a memória dos dois.


Nota da autora:

- Niño: garoto, menino, em espanhol.

- Cabrón: é um xingamento que pode significar desgraçado, filho da mãe otário, etc.

A Mulher do ChefeOnde histórias criam vida. Descubra agora