Capítulo 3: Eu te ajudo.

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Eu encontro o Deus a química, como Júlia gosta de o chamar, no meio de um jogo de futebol no campo da universidade, na hora do almoço. Ele corre feito uma flecha atrás da bola, roubando ela de outro jogador e então disparando na direção do gol. Ele também deveria ser chamado de Deus do futebol aqui, porque ele joga super bem, comparado com os outros alunos. Estou começando a me perguntar se existe algo em que Bernardo não seja bom.

É difícil não notar alguns outros alunos da universidade parados ao redor do campo vendo o jogo. Apesar dos sorrisinhos e sussurros das garotas deixarem claro que elas estão mais ocupadas observando os jogadores do que o jogo em si. Era compreensível, a maioria deles era bonita demais para não se olhar.

Infelizmente Bernardo está no meio dessa "maioria". Com 23 anos, cabelos escuros ondulados, olhos claros que pareciam esconder milhares de coisas. Seu rosto estava sempre iluminado com um sorriso quando eu o via, o que destacava as covinhas graciosas nas bochechas rosadas.

Hoje ele também estava sorrindo, soltando um grito de comemoração ao fazer o gol, enquanto eu não deixava de notar o número 10 na sua camisa. Alguém apita e os jogadores se afastam do campo pro amontoado de mochilas soltas em uma das extremidades. Bernardo está no meio dos amigos dele. Aqueles amigos que fazem piadas com as minhas roupas.

Não estou fora do meu normal hoje. Uma jardineira jeans e uma camiseta listrada com tons diferentes de vermelho e amarelo. Era chamativa e diferente talvez, mas não havia nada de errado com ela e eu esperava que aqueles idiotas não falassem nada. Contando até 10 e respirando fundo, caminhei até o grupo que se preparava para ir embora. Bernardo estava de costas pra mim, conversando com um dos amigos.

—Bernardo? —Chamei, vendo ele parar de mexer na mochila e hesitar, como se não tivesse certeza se alguém realmente estava o chamando.

Mas Luiz Felipe, o amigo dele, estava olhando pra mim com as sobrancelhas erguidas e um sorriso no canto dos lábios quando me ouviu. A pele negra brilhando de suor depois do jogo, enquanto os olhos escuros brilhavam em diversão quando olhou de volta para Bernardo e murmurou alguma coisa baixa.

—Bernardo? —Chamei de novo quando parei atrás dele, observando o nome dele escrito na camiseta e os contornos dos seus músculos sobre o tecido, até ele finalmente se virar pra mim. Ele era bem mais alto que eu, o que me obrigava a erguer bem a cabeça para encara-lo.

—Hm, oi? —Ele me encarou como se nunca tivesse me visto antes, com os olhos curvados e a testa franzida por conta do sol que batia no seu rosto. Mordi a bochecha, me obrigando a me concentrar em falar com ele e não em o analisar.

—Oi, desculpa atrapalhar. Eu só queria falar com você rapidinho. —Falei, me sentindo sem graça pela forma que ele estava me olhando, sem nem mesmo piscar. —Eu sou a Manuela, do...

—Dois semestres atrás de mim. É, eu sei quem você é. —Afirmou, me fazendo piscar várias vezes, me pergunta porque ele estava me encarando daquela forma se sabia quem eu era. —Tudo bem?

—Ah, bom... —Eu engoli com dificuldade, odiando o fato de Luiz Felipe estar olhando pra nós dois como se fôssemos seu filme particular. —Você tem um minuto pra falar comigo? Em particular, se possível?

Bernardo finalmente desviou os olhos de mim, se virando para o amigo dele que abriu um sorrisinho. Bernardo revirou os olhos e sorriu, jogando a mochila das suas mãos pra cima dele.

—Me espera no carro, eu já vou. —Pediu, fazendo o amigo hesitar e olhar pra mim de novo, antes de finalmente se afastar. Ainda havia algumas pessoas ali, mas por sorte Bernardo me seguiu quando me afastei do grupo, até paramos embaixo da sombra de uma árvore. —O que você quer falar comigo?

—Ouvi alguns alunos falando que você é o melhor aluno de química. —Eu não havia ouvido nada, eu sabia que ele era, mas preferia não dizer isso. —Estou com alguns problemas na matéria de cálculo. Não levo muito jeito com matemática, na verdade. Me deram a ideia de fazer umas aulas extras e como você vai bem em absolutamente todas as matérias, eu gostaria de saber se você não estaria disposta a me ajudar. —Falei de uma vez, ignorando a expressão de confusão e depois surpresa no rosto dele. —Sei que você deve ter coisas melhores pra fazer. Mas ficaria muito grata se pudesse tentar me ajudar.

—A universidade não tem um sistema de ensino diferente pra quem tem TDAH? —Indagou, e quem foi pega de surpresa dessa vez foi eu, ainda mais com a seriedade na voz dele. —Se não tiver, você pode exigir isso. É direito seu.

—Sim, mas... Como você sabe que eu tenho TDAH? —Eu o encarei com as sobrancelhas erguidas, vendo ele abrir e fechar a boca como se tivesse sem palavras, antes de desviar os olhos e dar de ombros.

—Ouvi uns professores comentando sobre você. —Falou, fazendo minhas sobrancelhas se unirem quando imaginei o que diabos os professores estariam falando sobre mim. Talvez a professora Carla tivesse contado a eles meu deslize com o trabalho.

—Eles tem sim, mas meu problema com cálculo não tem nada a ver com o TDAH. Eu vou bem em absolutamente tudo, menos essa matéria. —Falei, vendo ele me analisar com os lábios comprimidos e os olhos curvados em curiosidade. —Tipo qualquer pessoa que é boa em humanas e péssima em exatas, entendeu?

—Acho que entendi. —Ele passou a mão nos cabelos, respirando fundo. Podia ver a marca de cansaço no seu jeito de agir, depois de horas correndo no sol quente. —Eu sou sua primeira opção de professor?

—Sim. —Balancei a cabeça, vendo os olhos de Bernardo se estreitarem com um brilho de diversão.

—Você mente muito mal, sabia? —Ele sorriu, fazendo meu coração quase se derreter ao ver aquelas covinhas aparecendo, deixando seu rosto mais bonito do que já era. —Eu devo ter sido sua última opção. Tenho certeza sobre isso.

—Por quê? —Indaguei, cruzando os braços na frente do corpo.

—Não é segredo pra ninguém que você não vai com a minha cara. —Ele deu de ombros, como se fosse um consenso geral, sem tirar o sorriso dos lábios.

—Talvez eu tenha motivos pra isso. —Falei, notando que estávamos desviando do assunto principal e que o sorriso dele era muito bonito, mesmo que eu não devesse achar isso . —De qualquer forma, você pode ou não me ajudar?

—Qual o motivo pra você não ir com a minha cara? —Indagou, me fazendo morder o lábio com força quando senti vontade de dar um soco nele e na sua expressão confiante. —Se for um motivo plausível, eu te ajudo em cálculo.

—Quer saber? Esquece. —Falei, sentindo minha cabeça doer em frustração e cansaço por aquilo não estar dando em nada. —Desculpa por roubar o seu tempo.

Fiz menção de ir embora, fechando meus olhos com força quando ele segurou meu braço.

Manuela. —Falou, rápido demais, me fazendo virar a cabeça para ver a expressão determinada no rosto dele, enquanto me encarava. —Eu te ajudo.


Continua...

Todos os "eu te amo" não ditos / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora