Capítulo 24: Dopamina, ocitocina, adrenalina, serotonina...

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Estou furiosa com meus pais e, principalmente, comigo mesma. Odeio sair correndo para ajuda-los. Odeio esperar que eles mudem. Odeio sentir essa sensação de decepção, quando eu sei que eles jamais vão me tratar de forma diferente. Foram anos assim, não é agora que não moramos mais juntos que será diferente.

Não almocei quando cheguei em casa. Os últimos acontecimentos criaram um buraco no meu estômago. Júlia havia saído pra ir na casa de Melissa quando cheguei, porque alguns colegas de turma iriam se juntar lá e eu me recusei a ir quando ela chamou. Toda frustração estava pesando nos meus ombros quando cheguei.

Tenho um sério problema com frustração. Quando ele toma conta de mim como uma bomba relógio na minha cabeça, sempre tenho surtos de criatividade, sentindo vontade de fazer coisas que alguém normal certamente não faria sem analisar muito antes. Mas eu não tenho paciência pra analisar. Eu vou lá e faço.

Então, quando a súbita vontade de pintar as paredes do quarto de roxo me invadiu, eu corri para comprar uma lata de tinta. Afastei as coisas da parede e enchi o chão de jornais, ligando uma música alta o suficiente para apagar o restante do mundo quando comecei a pintar. A voz de Taylor Swift explodia dos altos falantes do meu notebook, enquanto eu arrastava o pincel pela parede com movimentos irregulares e desajeitados.

Depois que estivesse seca, eu iria desenhar algumas fórmulas e elementos químicos na parede, pintando-os os mais coloridos possível. Não importa se ficaria feio ou desajeitado, ficaria feliz apenas se combinasse comigo e parecesse alegre. O quarto de uma estudante de química que não vê a hora de se formar.

Havia terminado de pintar a primeira parede quando a campainha tocou. Meus olhos se reviraram na mesma hora, porque eu não queria parar o que estava fazendo, porque eu sabia que se parasse, não voltaria para terminar. Era o que sempre acontecia quando eu tinha ideias assim do nada.

Talvez eu pudesse simplesmente fingir que não estava em casa. Soltei uma risada, desligando a música e voltei a pintar, passando a tinta em alguns pontos da parede que havia ficado feio. Um suspiro irritado saiu pelos meus lábios quando a pessoa insistiu em tocar a campainha. Duvidava muito que houvesse escutado a música, porque não estava tão alta assim. Tinha certeza que era apenas insistente mesmo.

—Merda! —Soltei o pincel perto da lata, saindo do quarto. —Eu só queria pintar a porcaria da parede em paz!

Parei na frente da porta, respirando fundo antes de forçar um sorriso e abrir a porta. Meu sorriso se desmanchou quando dei de cara com Bernardo, escorado na parede do corredor e pronto para tocar a campainha de novo. Ele ergueu as sobrancelhas quando nos encaramos, descendo os olhos para minha camiseta e minha bermuda, ambos manchados de tinta roxa, assim como meus braços e minhas mãos.

Não demorei a olhar para os patins que ele segurava e me dar conta que tínhamos combinado algo mais cedo, que meu cérebro fez questão de apagar completamente da minha memória. Aquilo foi o suficiente para uma sensação de culpa horrível esmagar meu coração e o dividir em dois.

—Você esqueceu. —Bernardo constatou, soltando uma risada baixa.

—Me desculpa. Por favor, me desculpa. Juro pra você que não foi proposital nem nada. Eu tenho essa mania de merda de esquecer os compromissos. —Falei, balançando a cabeça negativamente. —Eu costumo colocar um lembrete no meu celular, mas acabei não fazendo porque nossa aula terminou antes. Juro que não foi por mal. Meu cérebro simplesmente esquece das coisas, mesmo que eu não queira.

—Manu, está tudo bem. Sério, não precisa pedir desculpas. —Ele abriu aquele sorriso compreensível pra mim, fazendo aquela frustração derreter como gelo no calor, quando vi aquelas covinhas surgindo nas suas bochechas e uma vontade absurda de toca-las me invadiu. —Não estou chateado com você. —Ele tombou a cabeça de lado. —O que você está fazendo?

—Ah! —Olhei para minhas mãos sujas de roxo em vários pontos diferentes, soltando uma risada constrangida. —Fiquei com vontade de pintar as paredes do quarto.

—Ficou com vontade? —Ele franziu a testa, enquanto o calor manchava minhas bochechas.

—É, isso acontece as vezes. Uma ideias loucas e aleatórias que eu vou lá e faço. As vezes eu me arrependo e em outras eu deixo pela metade. —Dei de ombros, porque era difícil até pra mim entender.

—Posso ver? —Indagou, me fazendo abrir e fechar a boca, sem saber o que dizer, antes de simplesmente dar espaço para ele entrar. Bernardo entrou sem hesitar, indo para o meu quarto enquanto eu fechava a porta. —É bem...

—Roxo. —Completei, parando ao lado dele, que estava observando a parede que eu havia conseguido pintar por completo. —Estou pensando em desenhar algumas fórmulas químicas estruturais. Tem alguma sugestão?

Ele olhou pra mim, com um brilho diferente nos olhos. Aquilo foi o suficiente para apagar o encontro desagradável com meus pais. Havia percebido que Bernardo tem esse poder. Iluminar meu dia como se nada mais pudesse estraga-lo. Talvez eu devesse pintar o rosto dele na minha parede.

—Dopamina, ocitocina, adrenalina, serotonina... —Ele deu de ombros quando soltei uma risada.

—Todos os hormônios do bem estar humano? —Curvei os lábios em um sorriso infeliz, enquanto me abaixava para fechar a lata de tinta. —Tenho certeza que não estou produzindo nenhum deles agora.

—Por quê? —Ele me observou pegar uma muda de roupa e os meus patins, agora parecendo preocupado comigo. —Tudo bem com seus pais?

—Aham. —Mordi o lábio para não rir mais ainda. Uma risada amarga e esquisita. —Vou me trocar e a gente pode ir, tudo bem?

—Você não vai terminar de pintar? —Bernardo apontou para as três paredes intactas, enquanto eu soltava um suspiro ao observar a bagunça que havia feito no quarto só para pintar uma única parede. —Se quiser, posso te ajudar.

—Eu prometi que a gente ia andar de patins e eu ia tentar te ensinar. —Ergui meus patins pra ele, tentando enfatizar o que eu estava dizendo. —Não vou deixar minha memória de milhões estragar isso. Só preciso me trocar.

—Tem certeza? —Ele mordeu o lábio, como se estivesse com medo de estar me atrapalhado.

—Tenho. Eu termino depois. —Prometi, abrindo um sorriso radiante ao ir para o banheiro, ansiosa pra patinar com ele.

Spoiler: eu não terminei depois.



Continua...

Todos os "eu te amo" não ditos / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora