Capítulo 25: Eu menti pra você.

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A Beira-mar está sempre lotada no final do dia, com pessoas correndo, andando de bicicleta, passeando com seus cachorros e até mesmo indo ali apenas para apreciar o por do sol e o mar. Bernardo e eu pegamos um Uber até lá, com minha frustração dando lugar a ansiedade.

—Isso é mesmo necessário? —Bernardo fez uma careta quando colocou o capacete, me observando fazer o mesmo.

—Sim. Você não quebrou a mão quando tentou andar uma vez? Imagine se você cai e bate a cabeça. —Dei de ombros, comprimindo meus lábios para não sorrir. —Ninguém quer que seu super cérebro dê pane.

—Super cérebro? —Ele gargalhou, fazendo o sorriso que eu estava tentando segurar escapar. —Já falamos sobre isso, Manu. Não sou bom em tudo.

—Quero saber se você é mesmo um desastre com os patins. —Afirmei, antes de deslizar pela ciclofaixa. Tinha que tomar cuidado com as pessoas de bicicleta, mas ainda era melhor do que andar na calçada. Estendi a mão para Bernardo, que estava fazendo uma careta ao tentar se manter equilibrado. —Tenta vir até onde eu estou.

—Aham, daí eu vou cair e dar de cara no asfalto. —Ele mordeu o lábio, balançando a cabeça. —Não estou tão certo sobre isso, linda.

—Desde quando você é covarde? Ainda mais com patins? —Indaguei, balançando minhas mãos para que ele viesse, enquanto tentava ignorar o tremor no meu corpo ao ouvi-lo me chamar daquele jeito. —Se você cair, prometo te ajudar a se levantar. Depois de alguns bons minutos rindo, é claro.

—Você é uma diabinha, sabia? Uma diabinha muito linda, mas é. —Ele deslizou na minha direção, estendendo as mãos para segurar as minhas. O segurei no momento que ele ia perder o equilíbrio, com nossos patins se chocando quando ele parou a centímetros de mim. —Acho que peguei você.

Sorri com a lembrança daquela frase, erguendo a cabeça para encarar os olhos dele, que pareciam refletir um oceano de sentimentos.

—Acho que foi eu quem pegou você. —Rebati, me inclinando e deixando um beijo no queixo dele, apenas para provocá-lo. —Tente me acompanhar, camisa 10.

Eu me virei, sentindo as mãos dele tentarem segurar minha cintura quando me afastei. Aquilo me fez sorrir, antes de morder o lábio com força ao olhar por cima do ombro e percebe que o havia deixado sem reação. Voltei a olhar pra frente quando ele começou a me seguir, de forma lenta e cuidadosa para não cair, perdendo o equilíbrio uma vez ou outra.

Andar de patins era como andar de bicicleta. Na primeira vez era difícil, mas então você pegava o jeito e seu cérebro gravava o que fazer. Então depois, tudo era praticamente automático. Seu corpo sabia o que fazer. Por isso eu amava andar de patins. Era uma das coisas que mais tive facilidade em aprender, além de esquecer o mundo quando estou neles.

Algumas pessoas acham que TDAH se resume a não ter um pingo de concentração. Mas não é só isso. Tenho dificuldade sim em me concentrar, porque meu cérebro está ligado a várias coisas diferentes e não consegue focar em uma coisa só, o que me deixa frustrada e cansada. Também sinto isso com mais intensidade do que pessoas normais. Tudo é sempre 8 ou 80 pra mim.

Tenho ideias aleatórias, como pintar a parede do quarto de roxo, ou outras coisas que acabo deixando inacabado depois, porque foi algo de momento. Não consigo me lembrar de compromissos, porque meu cérebro está mais focado em outras milhares de coisas, assim como já esqueci de tomar meu remédio várias vezes. Também tenho mania de perder coisas, porque não consigo ser organizada. Meu quarto ser um caos é a prova disso.

O único momento que meu cérebro relaxa e não penso em mais nada além daquilo que estou fazendo, é quando estou andando de patins. Observar o mar, o por do sol e as pessoas ao redor faz meu corpo relaxar, como se tudo pudesse se resolver se eu apenas continuasse fazendo aquilo. O mundo para ao meu redor e só existe eu.

Eu e Bernardo dessa vez, porque ele conseguiu pegar o jeito e chegar até onde eu estava, me acompanhando enquanto trazia a mão para segurar a minha. Deixo que ele faça isso como se fosse a coisa mais certa entre nós dois, observando seu sorriso e seus olhos, que estão sempre voltados pra mim.

—Você pegou o jeito. —Falei, com uma eletricidade passando de Bernardo pra mim quando ele entrelaçou nossos dedos.

—Não é tão difícil. —Afirmou, me fazendo juntar as sobrancelhas e lançar um olhar carregado na sua direção, que o fez rir. —Posso confessar uma coisa?

—Você odeia cálculo assim como eu? —Testei, arrancando uma gargalhada fofa de. 

—Isso também, mas não era isso que eu queria falar. —Ele umedeceu os lábios com a língua, vindo com cuidado para mais perto de mim. —Eu menti pra você ontem.

—Mentiu? —Eu repeti, não gostando do som daquela palavra na minha língua. Algo se apertou dentro de mim na mesma hora. —Sobre o que?

—Nunca tinha andado de patins até hoje. —Revelou, como se tivesse realmente me contando um segredo, me deixando completamente confusa. —Essa foi a primeira vez.

—Como assim? Mas você disse que tinha tentado e quebrou a mão. —O lembrei, sentindo ele apertar minha mão enquanto olhava ao redor, antes de seus olhos me encararem de novo.

—Então, eu menti. Não quebrei a mão tentando andar de patins. Quebrei a mão quando estava tentando aprender a andar de skate. —Ele fez uma careta de leve, antes de me mostrar aquelas covinhas de novo. —Só queria que você parasse de achar que eu sou bom em tudo e você não.   Além de...

—Além de...? —Apertei a mão dele de volta, sentindo meu coração martelando no meu peito quando li o que estava escrito nos seus olhos antes de Bernardo responder.

—Além de eu querer passar mais tempo com você. —A voz dele tinha aquele toque seguro de sempre. —Imaginei que poderia sugerir me ensinar. Não, na verdade, desejei que fizesse isso quando me disse que seu momento de hiperfoco era andando de patins.

Eu o encarei por tanto tempo, tendo certeza que meu coração havia se perdido naquele exato momento e só ele poderia encontrá-lo de novo. Ou talvez era ele quem estivesse segurando meu coração na palma da mão. Isso era um pouco assustador de se pensar.



Continua...

Todos os "eu te amo" não ditos / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora