Capítulo 42: Preciso te contar uma coisa.

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O pai de Bernardo é tão gentil quanto ele e sua mãe. Além de eu não conseguir parar de olhar pra ele e ver o quanto ele e Bernardo são parecidos. Eram os mesmos olhos claros e a mesma expressão confiante. Ele não estava mentindo quando disse que havia puxado muita coisa do pai.

—O Bernardo me contou sobre o que ele e os amigos dele fizeram com você no primeiro dia de aula. As piadas. —Eloísa comentou, enquanto eu encarava meu prato no meio do almoço.

—Mãe, a gente já se resolveu sobre isso. —Bernardo retrucou, como se não quisesse que ela falasse sobre aquilo.

—Eu sei. Mas é bom ela saber que não há nada de errado com suas roupas e sim com a mentalidade de algumas pessoas. —Ela sorriu pra mim, antes de apontar para o filho. —Outra coisa que posso dizer é que onde existe implicância, existe amor também.

—Isso eu devo concordar. —Bruno olhou para Bernardo com as sobrancelhas erguidas e a sobra de um sorriso nos lábios, o que me fez corar com o que quer que aquilo significava. —Ele fala muito bem de você, pra alguém que vivia implicando.

—Eu não vivia implicando com ela! —Bernardo grunhiu, me arrancando uma risada ao ver sua frustração. —Foi apenas um mal entendido. Eu estava errado sim, mas não do jeito que a Manu pensava e já resolvemos isso.

—Está tudo bem. —Eu abri um sorriso para a mãe dele, voltando a comer. —Da última vez, ele até me defendeu.

—Teve outra vez? —Bruno franziu a testa para Bernardo, como se estivesse pensando que o filho não o contou tudo.

—No jogo contra os atletas de direito. —Bernardo deu de ombros, evitando citar a briga e o fato de ter quebrado o nariz de um dos colegas.

—Ah, um bando de crianças! —Eloísa negou com a cabeça, parecendo resignada. Eu compartilhava do mesmo pensamento que ela. Eram um bando de crianças, apesar de já estarem na faculdade.

—E suas aulas de cálculo? O semestre está quase acabando, não é? —Bruno indagou, fazendo eu e Bernardo trocarmos um olhar demorado. Ainda não tínhamos conversado sobre aquilo, mas parecia meio óbvio que iríamos parar de estudar quando as férias chegassem. Eu só não sabia o que ia acontecer depois dela.

—Por enquanto eu ainda estou ajudando ela, apesar da Manu já estar indo super bem e não precisar mais de mim. —Bernardo piscou pra mim, fazendo meu coração derreter um pouco no peio. —Estamos pensando em acampar nas férias. Com nossos amigos. Estamos escolhendo um lugar já.

—Mesmo? É muito bom. Eu particularmente prefiro a calmaria do interior do que a cidade grande, mesmo morando em uma. —Eloísa soltou uma risada quando o marido concordou com ela. —E os seus pais, Manu?

A comida que estava na minha boca pareceu virar uma brasa quente quando a engoli, ficando rígida na cadeira. Tenho certeza que Bernardo sentiu, porque ele olhou pra mim na mesma hora, a hesitação presente nos olhos, como se não soubesse como eu ia reagir aquilo. Ele nunca havia perguntado sobre meus pais e eu também nunca havia falado. Mas deveria imaginar que seus pais iriam.

—Eles moram aqui em Floripa também. —Limpei a garganta, bebendo um pouco de suco para afastar a sensação ruim na minha garganta. —Eu raramente os vejo, por conta das aulas e do trabalho. É um pouco corrido.

—Que pena. Não tem nada pior que ver o filho ir morar fora de casa. —Eloísa olhou para Bernardo, como se estivesse morrendo de saudades mesmo com ele ali. Meu coração apertou na mesma hora e eu senti que estava ficando sem ar. —É sempre muito bom quando Bernardo vem nos visitar. Estamos felizes que ele tenha trazido você com ele dessa vez.

Eu abri um sorriso dolorido, balançando a cabeça em concordância. Bernardo segurou minha mão por cima da mesa, fazendo aquela dor no meu peito ficar mais suportável, antes de puxar um assunto aleatório com o pai, sobre o trabalho dele. Queria beija-lo bem ali quando entendi o que ele estava fazendo por mim.

Por sorte a conversa seguinte foi leve e descontraída. Aquela sensação ruim de ter que falar dos meus pais desapareceu rapidamente, porque era impossível ficar chateada estando com os pais do Bernardo, quando eles faziam de tudo para que eu em sentisse acolhida ali.

[...]

Estava sentada no meio da cama de Bernardo quando ele entrou, com os cabelos úmidos depois de ter acabado de tomar banho. Eu estava olhando um álbum de fotos que a mãe dele havia me entregado, com fotos de todo mundo da sua família. Não sei quantas fotos tenho com meus pais ou qualquer parente. Tenho quase certeza que nenhuma.

—Sua mãe disse que você era uma criança atentada que vivia se metendo em confusão. —Comentei quando ele fechou a porta, soltando uma risada.

—Eu te falei sobre isso. —Deu de ombros, vindo se juntar comigo na cama.

—É, ela me contou como você aprendeu a abrir portas com grampos. —Falei, vendo ele olhar pra mim antes de soltar uma risada maior ainda quando percebeu que era verdade.

—Ela trancou meu videogame em um dos quartos e eu era um pouco viciado na época. Passei horas enfiando um grampo na fechadura pra tentar abri-la. Nem acreditei quando consegui. —Ele balançou a cabeça negativamente, enquanto eu o observava. —Depois disso fiquei testando o grampo em todas as portas trancadas que eu encontrava, até pegar o jeito. Mas, em minha defesa, foi uma época rebelde minha.

—Uma época? Você usou um grampo pra invadir meu quarto. —O lembrei, vendo ele se inclinar e beijar a ponta do meu nariz.

—Logo antes de você me chamar pra sua cama. A diferença é que eu não me importo mais com o videogame, mas com você eu sempre vou me importar. —Afirmou, com aquela capacidade de sempre de me deixar ainda mais encantada por ele. Sempre gentil. Sempre incrivelmente atraente.

—Quem são esses? —Falei, apontando para uma foto que Bernardo estava com uma mulher e um garoto, em frente a uma árvore de Natal.

—A Beatriz e o Adam. —Ele sorriu pra foto. —São meus primos por parte de pai.

—Dos seus tios dos Estados Unidos? —Ele balançou a cabeça que sim, enquanto eu voltava a olhar para a foto, assim como outras que ele estava presente, com pessoas que eu não fazia ideia de quem eram. —Você tem uma família muito bonita, Be. De dar inveja.

Ele olhou pra mim. Não estava mais sorrindo. Parecia estar pensando longe na verdade. Dei um selinho nele, sorrindo de leve antes de voltar a olhar as fotos, sentindo os olhos dele em mim o tempo todo. Já havia me acostumado a ter ele me observando sempre, como se não houvesse mais nada que ele poderia querer.

—Manu, preciso te contar uma coisa. —Falou, passando o braço ao redor da minha cintura e beijando meu ombro. Murmurei um "hmm?" esquisito pra ele, porque havia acabado de chegar nas suas fotos de criança e ele era uma gracinha. —Sobre o dia que você ficou bêbada.

Eu desviei os olhos das fotos, me concentrando na expressão séria dele. Meu coração afundou no peito, porque meu cérebro começou a procurar as poucas lembranças que eu tinha daquela noite. Só de pensar, eu já ficava com vergonha.

—O que foi? —Indaguei, um pouco receosa de falar sobre aquilo. Não era uma noite que eu me orgulhava.

—Você falou algumas coisas sobre seus pais. —Ele falou tão lentamente e tão baixo que eu demorei para entender. Quando entendi, meu corpo inteiro pareceu virar uma pedra de gelo, enquanto o jantar subia até minha garganta. —Sobre ser adotada.



Continua...

Todos os "eu te amo" não ditos / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora