Capítulo 5: Ego de milhões.

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Eu fiquei alguns bons segundos  encarando o corredor e tentando entender o que havia acontecido ali. Dez minutos depois eu estava entrando no banheiro atrás de Júlia, pensando no quanto seria esquisito dizer a ela que Bernardo estava lá fora me esperando. O mais esquisito ainda vai ser estudar com ele, depois de passar dois anos fingindo que ele não existia.

—O que está fazendo? —Indaguei, vendo Júlia enfiando uma camiseta do Grêmio por cima da cabeça, assim que entrei no banheiro.

—Tem jogo hoje, esqueceu? —Ela riu da minha cara de espanto. —Vou assistir com o Diogo e a Melissa em um barzinho. Quer ir junto? Podemos jantar fora depois.

—Não posso. Vou estudar com o Bernardo hoje. Ele tá lá fora esperando. —Falei, observando Júlia erguer as sobrancelhas e soltar uma risada descrente, balançando a cabeça em negação. —Você não vai pra casa comigo então?

—Com você e o Bernardo? Não. —Zombou, me fazendo bufar e revirar os olhos. —Não faz essa cara. Pensa pelo lado positivo, se ele te irritar, você pode simplesmente expulsa-lo do apartamento.

—Ou jogá-lo pela janela. —Afirmei, fazendo ela soltar uma gargalhada. —Bom jogo pra você.

Peguei minha mochila pra me trocar, sabendo que não podia deixar ele esperando por mais tempo, já que Júlia tinha suas próprias coisas pra fazer, o que me obrigaria a ir pra casa sozinha com ele. Mas também. Não é como se eu não fosse estudar com ele pelas próximas semanas.

O mercado ficava no primeiro andar de um shopping, então quando passei pelas portas, encontrei Bernardo sentado em uma das mesinhas de um café dali. Ajeitei a mochila nas costas caminhando até ele, vendo que ele estava ocupado mexendo no celular.

—Oi. —Falei, fazendo ele erguer os olhos e abrir um sorriso preguiçoso, que causou um rebuliço dentro do meu peito quando encarei aquelas covinhas. —Podemos ir? —Ele ficou de pé, enfiando o celular no bolso. —Por que você foi no mercado se não ia fazer compras?

—Eu estava dando uma volta no shopping. Curiosamente, o mercado fica dentro do shopping, então... —Ele deu de ombros, me fazendo tombar a cabeça de lado e o encarar com as sobrancelhas erguidas.

—Seu senso de humor é maravilhoso. —Soltei, seguindo em direção a saída do shopping, escutando a risada dele atrás de mim quando começou a me seguir.

—Ah, você riu quando citei a cama do lado da padaria. —Afirmou, e ele estava certo sobre isso, infelizmente. —A quanto tempo você trabalha nesse mercado?

—Um ano e meio, por aí. —Falei, porque não tinha certeza. —É a primeira vez que vejo você vindo aqui.

—Tem um mercado do lado do nosso prédio. Não faz sentido vir nesse que é mais longe. —Afirmou, como se fosse uma coisa óbvia, me fazendo parar de andar quando saímos pra rua e me dei conta de algo.

—Nosso prédio? —Eu o encarei, vendo ele me olhar com a testa franzida por alguns segundos, antes de soltar uma risada sem graça e balançar a cabeça negativamente.

—A gente mora no mesmo prédio, Manuela. —Murmurou, falando meu nome muito lentamente.

—Sério? —Eu abri um sorriso sem graça. —Eu não sabia disso.

—Mesmo? —Ele esfregou a nuca. —Porque eu moro na porta da frente do seu apartamento. —Eu abri a boca para dizer algo, me perguntando se Júlia sabia sobre isso. Mas Bernardo riu da minha expressão de surpresa, voltando a andar. —Você sabe como destruir o ego de alguém rapidinho.

—Eu nunca encontrei você nos corredores do prédio, como eu ia saber? —Falei, me sentindo um pouco idiota por não saber desse fato. Bernardo não respondeu, apenas olhou pra mim por alguns segundos e então desviou os olhos pensativo. —Ah, fala sério, isso machuca seu ego de milhões? Eu não saber que somos vizinhos?

—Muito engraçada você. —Ele estalou a língua, mas vi que estava sorrindo.

—Se acalma seu ego ferido, Júlia provavelmente sabe que você mora lá, assim como o restante das garotas do prédio.

—Eu nem sei quem é Júlia. —Falou, soando tão genuíno que eu acabei rindo. Ok, isso certamente machucaria o ego da Júlia se ela soubesse.

—A garota que mora comigo. —Soltei um suspiro, começando a me perguntar se havia mais alguma coisa sobre o Bernardo que eu não sabia. Tinha certeza que se ele morava lá, então ele dividia o apartamento com alguém, já que 80% dos moradores de lá eram estudantes.

—A de cabelos brancos? —Ele pareceu se lembrar dela, mas confirmei mesmo assim, não deixando de notar que ele parecia estar gravando cada coisa que eu dizia.

—Você divide o apartamento com alguém? —Indaguei, deixando a curiosidade falar mais alto. Ele me olhou de novo, desviando os olhos logo em seguida, como se estivesse tentando me entender, o que me deixou confusa.

—Com o Felipe, o Eduardo e a irmã mais nova dele. —Ele tocou minhas costas para andarmos mais rápido quando fomos atravessar a rua e eu demorei para absorver aquele gesto gentil.

Meu cérebro demorou pra processar o fato que eles moravam em quatro. Sabia que o Felipe era o Luiz Felipe do jogo de mais cedo, enquanto o Eduardo era colega de turma dele. Conhecia a maioria dos alunos de química, apesar de não falar com quase nenhum deles.

—Deve ser apertado. —Comentei, não querendo deixar o assunto morrer.

—A gente se acostumou. Eu e o Felipe dividimos um quarto, enquanto a Érika ficou com o outro. —Ele me lançou um sorriso. —Como o Edu teve a brilhante ideia de trazer a irmã pra morar com a gente, ele dorme no sofá da sala.

—Muito gentil da parte de vocês deixar ela ficar com um quarto só pra ela. —Falei, percebendo que já estávamos chegando no nosso prédio. Não percebi o quão rápido o tempo passou conversando com ele.

—Acho que o Edu roubaria uma faca da cozinha pra nos matar se sugeríssemos algo diferente. —Retrucou, o que me fez soltar uma risada. Ele abriu a porta do prédio e me deixou entrar primeiro, antes de ficar subitamente sério ao me encarar. —A gente pode comer alguma coisa antes de estudar. Lembro que você falou que não teve tempo pra almoçar.

—Ah, não, tudo bem. Estou acostumada a ficar sem comer por muito tempo. —Ele segurou a porta do elevador pra eu entrar, ficando em silêncio enquanto o elevador subia até o 6 andar e parava.

—Não estava perguntando se você queria jantar. Na verdade, você precisa. —Afirmou, puxando as chaves do bolso enquanto seguia para a porta da frente ao meu apartamento. —Vem, Manu, prometo que não vou envenenar sua comida.

Um idiota realmente, mas que estava fazendo um ótimo trabalho em ser gentil. Pelo menos a segunda impressão estava sendo melhor que a primeira.


Continua...

Todos os "eu te amo" não ditos / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora