Capítulo 6: Vou fazer o meu melhor.

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Hesitei em ir, porque eu deveria apenas estudar com Bernardo, e não passar alguns minutos jogando conversa fora com ele e muito menos jantando com ele. Parecia íntimo demais pra duas pessoas que não eram nem mesma amigos. Mas Bernardo já estava abrindo a porta do seu apartamento, entrando pelo pequeno corredor que dava para a cozinha e a sala, deixando a porta aberta enquanto sumia lá dentro.

Mordi o interior da bochecha, esfregando as mãos na calça antes de caminhar até o apartamento dele e entrar. Fechei a porta atrás de mim, observando a luz da sala acesa, enquanto tudo estava completamente silencioso. Onde estavam os outros, eu não fazia ideia. Mas parecia que eu e Bernardo éramos os únicos ali.

—Fica a vontade. —Bernardo apareceu no pequeno corredor que dava para os quartos, abrindo sorriso que não chegava até os olhos quando percebeu que eu havia mesmo entrado no apartamento dele. —Vou preparar alguma coisa pra gente. Tem algo que você não goste?

—Eu como de tudo. —Falei, dando de ombros, enquanto o seguia para a cozinha. Meu coração estava estranhamente acelerado por estar naquele apartamento, vendo Bernardo com tanta boa vontade indo cozinhar. —Onde estão os outros?

—Ah, hoje é dia de brasileirão. A maioria vai assistir os jogos nos barzinhos perto da universidade. —Ele deu de ombros, como se aquela fosse uma informação sem importância. —Com eles não é diferente.

Balancei a cabeça, sabendo que ele tinha razão. Júlia deveria estar enchendo a cara junto com Diogo e Melissa nesse momento, assistindo o jogo do Grêmio. Eu gosto de assistir, mas não como ela, que xinga quando o time está perdendo e grita quando está ganhando. Talvez se eu tivesse sido mais unida com meu pai, isso seria diferente. Mas minha família não era como deveria ser.

—Você não queria assistir? —Indaguei, percebendo que Bernardo não se incluiu ao falar dos amigos, mesmo quando eu e absolutamente todo mundo sabia que ele era apaixonado por futebol. Não é atoa que ele joga super bem.

—Já assisti milhares de jogos. Perder um não vai me matar. —Falou, enquanto começava a separar algumas coisas pra preparar o jantar. —E a gente vai estudar, não é?

Eu o encarei, sem saber o que fazer diante da forma que ele estava agindo comigo. A forma como sorria pra mim, mostrando aquelas covinhas adoráveis. Em nenhum momento ele fez um comentário desagradável ou citou de novo o fato de eu não ir com a cara dele.

Estava começando a me perguntar se aquele Bernardo na minha frente realmente era real ou uma farsa. Não parecia nem um pouco com o cara que eu havia conhecido no primeiro dia de aula.

[...]

O jantar foi ok. Bernardo me fez repetir o macarrão que ele havia feito, murmurando sobre o primeiro prato ser do almoço e o segundo do jantar, mesmo que eu estivesse insistindo que estava bem em ficar sem comer. Depois eu o ajudei a lavar as louças sujas, mesmo que ele achasse que eu não deveria.

Mas se ele cozinhou, era justo eu limpar. Pelo menos era assim que funcionava comigo e com Júlia. Eu não gostava nem um pouco de ser um peso para as pessoas e eu me sentiria assim se não tivesse o ajudado depois. Júlia costuma dizer que eu tenho sérios problemas com isso, porque eu não preciso dar nada sempre que recebo algo, mesmo quando eu acho que devo. Agradeça meus pais por isso, eles foram excelentes.

Depois fomos pro meu apartamento, onde meu quarto pareceu encolher quando Bernardo entrou, observando minha bagunça. Os livros empilhados ao lado da minha escrivaninha. A arara de jaquetas e blusas, que variavam entre corem chamativas, que poderia muito bem lembrar um arco-íris. Eu não tinha nada contra preto, além da cor me lembrar a enterro.

Minha cama estava bagunçada, porque eu nunca tinha tempo de arruma-la antes de sair. Tinha uma tabela periódica enorme colada na parede, além de vários post-its colados ao redor do espelho, com coisas que eu não podia esquecer. Eu era uma bagunça, tinha certeza disso, mas era difícil ser organizada quando a concentração não está do meu lado.

Os post-it são um lembrete de que se eu esquecer daquelas coisas, alguém vai precisar me lembrar e de novo eu vou ser um peso. Odeio quando Júlia precisa me dizer que esqueci de algo, como se eu tivesse a incomodando de alguma forma por pensar em coisas que são obrigação minha. Odeio quando perco as coisas pela casa, perdida demais nos meus próprios pensamentos confusos.

—Foi mal pela bagunça. —Falei, ajeitando as coisas na minha escrivaninha pra abrir espaço pra ele. —É difícil ser organizada quando nem tenho tempo pra ficar em casa. Aulas, emprego, trabalhos, provas...

—Eu entendo. A gente acha que depois do ensino médio tudo melhora, mas na verdade é só ladeira abaixo. —Comentou, arrancando uma risada de mim, porque eu estava correndo ladeira a baixo desde o momento que nasci. —Os professores só faltam cagar na nossa cabeça.

—Difícil de acreditar nisso, sendo que você é o melhor aluno de química. —Afirmei, vendo ele colocar seus livros sobre minha escrivaninha e puxar a cadeira pra se sentar.

—Sei que pode ser mil vezes pior pra você por causa do TDAH. —Desviei os olhos quando ele olhou pra mim, incapaz de encarar aqueles olhos claros que pareciam saber tudo sobre mim. —Mas você disse que vai bem em tudo, então eu tenho certeza que pode ir bem nisso também.

—Estou tentando. —Peguei meus livros, roubando a cadeira do quarto de Júlia pra me sentar ao lado de Bernardo, que não parava de me analisar com curiosidade. —Espero que você me ajude nisso.

—Vou fazer o meu melhor. —Prometeu, piscando pra mim. Algo dançou na boca do meu estomago com o sorriso que ele abriu, antes de começar a abrir os livros. —Prometo que quando isso acabar, você e cálculo vão ter virado melhores amigos. —Aquela covinha ficou bem evidente na sua bochecha, quando seu sorriso se tornou maior, mesmo que não estivesse olhando pra mim. —Quem sabe nós dois não nos tornamos amigos também.


Continua...

Todos os "eu te amo" não ditos / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora