TRÊS

8 3 0
                                    

Maara

Joah me observava incrédula. Céus, ali senti que estava sonhando de tão satisfeita. Na verdade, senti muito mais do que satisfação, eu senti tudo. Sentia tanta falta de estar viva.

O corpo morto de Toran lhe deixa certamente atordoada; ela não entendia. Devia estar se perguntando como estou aqui, por que estou viva se ela me aprisionou? Meu sorriso entregava meu gosto por vê-la tão confusa; Toran Hawlett estava morto. Não estou acostumada com a alegria em excesso, isso me fez querer sair pulando pelos cantos; eu ainda tenho tanto poder! Paralisei os Golens, condenei alguns soldados e naquele momento estava frente à frente com minha amiga de longa data. Ela mesma.

Ela deu um passo para trás. Aquilo era bom demais.

— Correr de mim, seria covardia demais, Joah — ronronei. Sua respiração era instável. Aquele lugar possuía Pedra Negra o suficiente para impossibilita-la de usar seus dons contra mim. Eu poderia matá-la se assim quisesse!

— Sua... — começou entre os dentes. Sua raiva me fez rir e eu me aproximei, sem pressa, até chegar tão perto de Joah que conseguia ver o suor brotando de sua testa. Ray observava curioso e inquieto atrás de meu ombro, quase me fazendo sentir cócegas.

— Se soubessem que uma Governanta como você sente tanto medo de ficar sem seus dons perante à uma "mera Feiticeira" você estaria perdida, minha querida.

— Você não é uma mera Feiticeira — replicou. Ri com escárnio.

— Não era isso que você dizia pelas minhas costas? — Ela me encarou com ódio, sei que lutava contra toda a força da Pedra Negra para conseguir um vestígio de seu dom tão mortal; certamente pensando nas formas como me machucaria agora. — Você é patética.

— O que você quer?

— O que eu quero, deve esperar. Não lhe darei o prazer da morte tão cedo; mas lhe concedo a agonia de saber que estou vagando por todo lugar, Joah, estou viva. Por enquanto, isso basta.

Suspiro, encaro o tarôt e Ray. Eu revivo esta cena sempre que duvido do que sou capaz após ter voltado. Um sorriso convencido repousa no canto de meus lábios. De volta à realidade, puxo uma carta do baralho.

— Perdão, vamos continuar, meu amigo?

Palácio de Syfer

Malia encara seu jantar, que lhe foi servido em seu novo quarto nesta noite. Capeletti de espinafre com recheio de brie e molho branco com especiarias perfumam a fumaça atraente que sobe do prato. Deveria comer, contudo o remorso lhe atingiu com força o suficiente para substituir a fome.

Ela se pega constantemente pensando nas pessoas que deixou para trás; nos deuses que agora devem odiá-la. Afinal, eles estão do lado de Callia.

Ah, Callia.

Seu corpo caído no chão, abandonado pela mortal tão impiedosamente. Malia que traiu a garota que mais invejava após ser perdoada por todos os importunos que causou; ela pensa nisso mais do que gostaria. A vida em Syfer era sem dúvida diferente da que era submetida em Oriwest. Assim como deveria ser, já que a Governanta a prometeu que, em Syfer, ela não seria desprezada por ser humana. Pelo contrário, Joah pretendia sacralizar sua imagem para a população híbrida. Ela seria adorada; venerada. Se Callia foi incapaz de assumir este posto sem pestanejar, então talvez uma humana realmente tola fosse a substituta perfeita.

Quebradora da MaldiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora