VINTE E UM

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Arabella, Ano 323

ATLAS? — interroguei receosa, mantendo o tom de voz discreto. Uma sombra pula para trás de mim, instintivamente colocando-me em posição de ataque. Por outro lado, quando eu vejo aqueles olhos... um preto e um branco... meu sorriso se alarga e minhas lágrimas o contornam. — Atlas...

Meu irmão também sorria. Cresceu tanto que estava muito mais alto que eu, talvez bons trinta centímetros. Suas vestes eram simples e marrons, suas mãos calejadas e seu cabelo cortado porcamente, mas ele estava lindo, e chorava comigo em seus braços. Meu irmão está vivo.

— Por onde diabos você esteve?! — reclamo lhe oferecendo um tapa de mentira em seu peito, ele ri fraco; naquele momento percebi que esquecera como sua voz soava.

— Eu senti tanto sua falta — diz, enterrando o rosto em meus cabelos. Se eu pudesse congelar um momento e viver nele para sempre, eu pararia no dia em que reencontrei meu irmão. — Pensei que nunca mais nos veríamos. Tenho muito para te contar.

— Pois conte! Céus, acho que minha vida perdeu a cor sem você, Atlas!

— A minha também — choraminga.

— Como você sobreviveu?

— Um híbrido dono de fazenda me encontrou, seu nome é Norvell. Nós moramos em uma área escondida nos fundos da floresta. Ele me criou; eu o ajudo na plantação, é algo simples. De vez enquanto eu voltava para a tribo como um pássaro para te procurar, mas raramente te encotrava. Eu descobri que sou um metamorfo, por sinal.

Se minhas bochechas rasgassem naquela noite, pouco me importaria.

— Então você me viu procurando por você?!

— Não exatamente. A única vez que tive a chance de te ver de perto foi hoje mais cedo. Você está linda. Como estão os treinamentos?

— Eu não quero ser vendida — respondo imediatamente com pesar. Meu irmão engole em seco. — Talvez eu tenha me acostumado com a ideia de ser vendida com o tempo, mas agora... você está vivo. Eu quero poder vê-lo no futuro.

— Você tem data?

Neguei com a cabeça, de repente cabisbaixa.

— Ainda devemos ter alguns dias, então. Tenho certeza de que podemos pensar em algo.

Bufei em resposta, sabendo que no segundo em que fosse vendida, eu jamais poderia sair da tribo como estava fazendo naquele momento; eu perderia minha já pouca liberdade. Não sabia se Atlas foi embora cedo demais para se lembrar ou sequer aprender isso, ou se ele estava sendo otimista. Nunca saberei.

Dias Atuais

Não consigo dizer se fechei meus olhos completamente infectados quando perdi a consciência e agora os destroços neles perfuraram alguma parte das minha pálpebras, ou se eles ficaram abertos e secaram de vez, mas agora minha visão está completamente negra. Não enxergar torna o processo de recuperar o raciocínio três vezes pior, e só sou capaz de confirmar que estou, de fato, acordando, porque em um sonho eu não sentiria tanta dor.

Meus metatarsos estão sendo arrastados pelo chão áspero; meus braços nus ainda deslocados sustentam meu corpo, envolvidos por mãos enluvadas. Estou sendo carregada. Movo minha cabeça; eles se comunicam entre si. O som é abafado inicialmente, não consigo entender. Ouço o barulho de portas abrindo-se, um vento gelado nos recebe me provocando calafrios. Tento mover a boca, dizer algo; estou amordaçada.

Quebradora da MaldiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora