DOIS

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Aquela foi a primeira pior manhã da minha vida.

Arabella | ano 317

Sentada na pequena mesa de metal da cozinha, meus olhos estavam pesados de sono, mas me obriguei a acordar de qualquer forma. Precisava ter um café da manhã decente se quisesse ter desempenho nos treinos, e com "sorte" ser vendida ao líder algum dia. Talvez não fosse tão ruim quanto imaginava: minha mãe ganharia a tão sonhada estabilidade financeira entrando para a família dos líderes e eu estaria com Atlas. Estávamos juntos nessa, afinal. Estávamos.

— Os ovos estão quase prontos, vá acordar seu irmão.

Subi as escadas com um pouco de pressa naquela manhã para evitar que a comida esfriasse antes que Atlas estivesse na mesa também.

— Ei, Atlas! Acorde — sussurrei balançando seu corpo, que ainda era menor que o meu na época, na cama. Ele gemeu em resposta, virando-se devagar e esfregando os olhos preguiçosamente, com um sorriso no canto da boca.

E então meu mundo caiu.

A expressão feliz de Atlas logo se dissipou, transformando-se em confusão, enquanto lágrimas brotavam de meus olhos, freneticamente alternando entre seu olho branco, e seu mais novo olho negro.

— Atlas... — gaguejei ainda mais baixo.

— Ara?

— Arabela?! — nossa mãe chamava, os passos ecoando pela escada. Ela estava vindo.

Não. Não, não, não, não.

Naquele momento, aprendi que a pior sensação do mundo era ser incapaz de fazer algo para esconder o que estava grampeado na sua cara. E a segunda pior sensação, era a de perder esta pessoa para isso.

Nossa mãe entrou no quarto, e de primeira, eu tentei impedir. Como resultado, fui jogada na parede, aterrisando direto no baú de roupas. Minhas costas doíam tanto que me contorci de dor.

Ela não esboçou reações longe da curvatura negativa no canto de seus lábios; me disse que Atlas ficaria bem, mas eu sei que ela mentia.

Quando voltei do treino, ele não estava mais lá. Ela disse que ele foi levado para uma instituição onde curariam seu olho.

Meu irmão nunca mais voltou para casa.

Dias atuais

A explosão comprometeu minha visão quase por completo. Não faço ideia do que tenha acontecido na Casa do Líder; me lembro apenas de ter sido arrastada para um beco, acho que a Governanta estava lá. Fui espancada, não consegui usar meus dons, me algemaram com pedra negra. Cada piscada desde então parece rasgar um centímetro a mais da minha pupila. Tenho certeza de que estão infeccionadas e duvido que será pouco doloroso para tirar todas as pedras e poeira que se alojou na região. Mas ninguém ligaria a ponto disso acontecer.

As noites são frias e secas na minha sela de pedra negra. Não tenho direito à fontes de luz maiores que uma traiçoeira rachadura no topo do teto. Mas na mesma quantidade que recebo luz, também recebo chuva.

Eu me arrependo conforme os minutos se estendem em horas, ainda que não demore muito até minha mente me trazer de volta para a razão de estar aqui e me conformar de que tudo está em seu lugar.

Nunca fui boa o suficiente para a liberdade quanto Atlas nasceu para ser. Ele gosta de viver; eu, vivo à mercês da covardia e arrogância, mascarando um ser inseguro e sem princípios com vinho e sorrisos vazios. Sobretudo, não tenho medo da morte. Não cheguei ao ponto de ser suicida, entretanto a ideia da morte não me desconforta. Não espero ser salva; o fato de Atlas ter sido salvo é o suficiente para me fazer morrer em paz.

As portas se abrem depois de muito tempo. Meu coração se acelera pelo inconveniente. Naturalmente, este deveria ser o momento no qual eu serei sentenciada. O cheiro dela é familiar demais para não me causar calafrios. Pelo pouco que consigo assimilar visualmente, todavia, a Governanta não está sozinha.

— Você demorou — instigo, mesmo que tenha perdido a noção do tempo.

— Isaac, faça seu trabalho — impõe. Por um minuto, eu não processo a informação.

Puta merda.

É impossível controlar minha expressão atordoada. Devo ter perdido algumas coisas enquanto estive aqui dentro, porque não me lembro de quando Isaac comentou que também era amiguinho da irmã de Lydia.

O garoto segura meus braços para trás e me levanta com tanta brutalidade que sinto minhas escápulas ameaçando a sairem do lugar.

Tenho certeza de que Joah sorri com minha confusão e agonia. Aproveito e sorrio com ela, forçando meu rosto a seguir meus comandos e mudar completamente de humor. Meus músculos ardem depois de tanto tempo sem movê-los desta forma.

— Você é repugnante — me insulta com desgosto. — Nós queremos informações — a Governanta ordena. — Em troca, nós prometemos tirar seu nome e o nome de Norvell da lista de procurados. Vocês não precisarão mais se submeter a esta guerra.

— Eu prefiro a morte — respondo sem pensar duas vezes. Minha voz quase não sai, estou rouca porque não falo há meses. Até mesmo o som soa estranho agora. — Está com tanta saudade de me fazer de fantoche assim?

Depois de um momento de silêncio, o garoto puxa meus braços ainda mais para trás. A dor é excruciante, como se meus membros estivessem sendo rasgados lentamente como mãos rasgam um pedaço de papel. Não tenho dúvidas que Isaac Bellarose deva deslocar membros com a mesma facilidade; principalmente os meus, estou mais fraca do que nunca.

— Que tipo... de informações vocês querem de mim, afinal? — Questiono me obrigando a suportar a dor. — Você tem este... garoto agora... ARGH! — Urro quando sinto o ombro direito deslocar. O som do estalo é alto, me causa náuseas. O maldito já está pronto para quebrar o ombro que me restou. Paro de falar, buscando ar como se oxigênio fosse difícil de se respirar. Suor frio goteja sobre meu corpo.

— O que você sabe sobre Maara Zarvos? — Interroga afiada. Sinto ela se aproximando e a pressão em meu ombro esquerdo aumentar. Mesmo assim, eu digo:

— Por quê? Ela falou de mim?

Minha face encontra o chão e arde contra seu material rochoso mal polido. Minha pressão arterial diminui significativamente, fazendo tudo escurecer. Meus ombros estão em direções diferentes uma da outra, cada centímetro dos meus membros superiores pulsa dolorosamente com os danos.

Não sei nada sobre Maara Zarvos desde que a mesma Governanta — que está na minha frente — sumiu com sua raça, e dois meses depois apareceu grávida e em um relacionamento complicado com o Senhor de Hillside. De qualquer forma, sei que serei torturada independente da resposta que sair de meus lábios. Ao menos fingir que não lhes darei as respostas desejadas até morrer me deixará minimamente mais satisfeita.

Atlas está salvo, gosto de pensar assim. Ele saberá lutar esta guerra e talvez será inteligente o suficiente para fugir antes dela. Eu gostaria que ele fugisse, criasse uma vida decente ao lado de Peter bem longe daqui. Infelizmente, eles não são do tipo que foge de uma confusão generalizada por amor; eles lutam juntos.

Sem forças o suficiente para levantar sem ser atingida por uma dor torturante — capaz de me fazer cuspir bílis e desmaiar se insistir demais — a dupla esnobe deixa minha cela. Pouco me importa, eu ficarei deitada aqui até que eles decidam dar o ar da graça novamente; é sempre um prazer encontrar Joah Hawlett.

Quebradora da MaldiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora