ONZE

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Callia

Pela segunda vez, eu me visto como uma Helus. O vestido escolhido é longo e de mangas compridas, para esconder minhas novas ataduras. Apesar do estrago constante que tenho feito em meu corpo, as enfermeiras concluíram que meus cortes estão sarando, ainda que lentamente. Para mascarar os mesmos nas mãos, uso luvas do mesmo azul escuro. Não é tão bufante, mas possui duas grossas camadas de saia com bordados de ouro branco que percorrem sua extensão em formato de galhos secos em um inverno. Os ombros são quadrados e mascaram minha magreza perfeitamente com um toque maduro. No lado esquerdo, há uma flor do mesmo tecido, feita em camadas e repousando em meu ombro.

Enquanto as serviçais davam toques em minha beleza, eu ponderava.

O que dizer?

Há tanto que eu gostaria de dizer ao povo. Tantas desculpas que eu gostaria de pedir. Ainda assim, não sou boa em falar em público e sei que minhas tentativas, se não ensaiadas, seriam um problema. Respiro fundo para aliviar o estresse. Maara está aqui, e pela manhã nós estaremos na costa. Não tenho como apressar as coisas e preciso focar no momento presente. Minhas mãos se mexem inquietas em meu colo e minha coluna dói.

Não aja como se fosse o fim do mundo... mas em breve será...

Um mordomo entra em meu quarto para deixar um prato de comida. Era vinho e uma sopa roxa acompanhada por queijo e pão. Deixei o vinho de lado, mas comi o resto mesmo sentindo o gosto amargo na língua.

No fim, me olho no espelho. Eu já estive nesta mesma situação antes, em Lisha; vestida como um membro do Governo. Entretanto, eu era um membro falso e tinha um script que precisava seguir. Eu estava caminhando até um altar que condenaria Nalina de uma vez por todas. Eu não sabia um terço do que sei agora.

Agora, eu sou a Princesa das Trevas.

Eu sinto raiva, mas sei que isso deve esperar. Eu sinto medo, mas não há nada que eu possa fazer agora além de abraçar o frio na barriga e torcer para que pare. Minhas orelhas são pontudas, minha pele está mais pálida e abatida, meus olhos são azuis demais, mas aqui são mais comuns. Os olhos do meu irmão também já foram azuis demais.

Apesar de tudo, eu sobrevivi. E espero que eu continue sobrevivendo, porque ainda falta muito. Não sei se me perdoo ainda.

Sinto que talvez uma guerra não fosse o melhor cenário para uma garota de 17 anos com o pouco treinamento que tenho. Talvez agora eu tenha 18, já se passou um ano inteiro.

Um ano.

A porta se abre, e me viro imediatamente. É Peter.

— Pronta?

— Não.

— Ótimo, vamos.

Em uma plataforma na frente do Palácio da Capital de Oriwest, Lay e Lótus conversavam com o público sobre os últimos acontecimentos. Eles contavam os verdadeiros causadores dos desastres em Oriwest, sem omitir seus nomes. E por maiores os problemas que os dois possam ter causado, aquilo foi um ato nobre. Ainda assim, Zoe não foi mencionada por ainda estar em Oriwest, e queremos menos problemas associados ao palácio; por mais que Zoe — definitivamente — fosse um.

Lay e Lótus são Espiões excepcionais e sabem mascarar suas emoções profissionalmente. Qualquer um de fora não seria capaz de diferenciar a tristeza do cansaço que um Círculo de Influência sente diariamente. Mas como alguém vivendo dentro do palácio, eu sei que suas feições abatidas e olhares perdidos não vem do cansaço. Eles, mais do que ninguém, temem pelo estado de Lydia.

Quebradora da MaldiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora